Resenha: Vinte mil léguas submarinas, por Jules Verne
Nome do Livro: Vinte mil léguas submarinas
Nome Original: Vingt mille lieus sous les mers
Autor: Jules Verne
Tradução: Julia da Rosa Simões
Editora: Companhia das letras – Penguin
ISBN: 9788582850022
Páginas: 512
Ano: 2014
Nota: 5++/5
Onde Comprar: Saraiva, Livraria Cultura, Submarino (que coincidência!)
Nesta obra-prima da ficção científica, Jules Verne expressa seu amor pelo mar ao longo da incrível aventura do submarino Nautilus. Publicado em 1870, Vinte mil léguas submarinas é uma das obras de aventura quintessenciais da literatura ocidental. Mais do que isso, o francês Jules Verne ajudou a estabelecer um tipo de romance que, sem abrir mão por um segundo da mais eletrizante carga de entretenimento, apresentava e discutia as principais questões que norteavam o conhecimento científico de seu tempo. E ia além, perscrutando o futuro. A aventura começa quando Dr. Pierre Arronax é convidado pelo Secretário da Marinha dos Estados Unidos a participar de uma expedição de pesquisa naval a bordo do Abraham Lincoln. O objetivo é encontrar um monstro marinho, avistado no Oceano Pacífico. Durante o confronto, Aronnax, seu criado Conseil e o arpoador canadense Ned Land são lançados ao mar, para serem subsequentemente resgatados pelo submarino do capitão Nemo, o Nautilus. Narrado por Arronax, o livro é um vasto passeio pelos oceanos do mundo e suas maravilhas submarinas, descritas em detalhes por Verne. Não é apenas a tecnologia que o interessa, mas também a fauna e a geografia marítimas, tudo reforçado em seu maravilhamento da imaginação — como no episódio da luta da tripulação do Nautilus contra uma lula gigante. Episódios de um romance que tem encantado gerações de leitores de todo o mundo há mais de um século.
Impossível dizer onde estaria a tecnologia atual sem a influência de Jules Verne. E não apenas no campo científico, também na literatura: boa parte dos autores de ficção científica da era de ouro foi inspirada por aventuras como as de “Vinte mil léguas submarinas” e “A volta ao mundo em oitenta dias”. Amplamente especulativo, mas sempre amparado na lógica a partir do que era conhecido na época, o livro tem o mérito de ter feito as perguntas certas que os cientistas até hoje tentam comprovar ou refutar.
A invenção do submarino é muito anterior, por volta de 1620, mas ele era considerado instável e perigoso. Cabe a Verne o mérito de agregar outras tecnologias para que o aparelho se tornasse seguro. Inspirados por essa obra, empresários e militares se dedicaram nas décadas seguintes a construir submarinos nos moldes que Verne imaginou e, como sabemos, funcionou muito bem: os submarinos tiveram papel decisivo no rumo da II Guerra Mundial. Além disso, algumas das técnicas descritas por Verne na presente obra só foram implementadas nos submarinos nucleares!
Publicado em 1870, “Vinte mil léguas submarinas” é anterior a Era Espacial (que teve seu ápice no pouso do primeiro homem na lua, em 1969) e o mar escondia segredos mais acessíveis do que o espaço. Muitos meninos ainda sonhavam em se tornar marujos, inspirados também por Moby Dick, lançado em 1851.
Na trama, o dr. Aronnax, acompanhado de seu fiel criado Conseil, embarca apressadamente no navio de guerra americano Abraham Lincoln para cruzar os mares em busca de uma misteriosa criatura gigantesca. Esse monstro tem sido avistado em diferentes lugares com diferença de poucos dias, atestando sua imensa velocidade. Com o envolvimento da mídia e dos jornais, o monstro é responsabilizado por todos os naufrágios, não restanto opção a não ser exterminá-lo. Como professor suplente do Museu de História Natural de Paris, o dr. Aronnax tem certeza de que o monstro é um cetáceo de origem desconhecida (cetáceos são mamíferos aquáticos, a essa ordem pertecem também as baleias e os golfinhos).
A bordo, meses se passam sem que o monstro seja avistado e exatamente quando o capitão e o doutor estão convencidos de que foram enganados por boatos e exageros dos marinheiros, finalmente a criatura é vista. Durante o confronto, o dr. Aronnax, Conseil e o arpoador Ned Land são arremessados ao mar e resgatados horas depois pelo submarino Nautilus, onde são mantidos prisioneiros. Descobrem, assim, que o monstro não passava de um veículo submarino que utiliza energia elétrica para iluminação e movimento, algo completamente diferente de tudo o que existia no mundo. Intrigados, o dr. Aronnax e seus companheiros aceitam o convite do misterioso Capitão Nemo de permanecer a bordo por tempo indeterminado. Conseil é absolutamente passivo, aceitando apenas o destino que o doutor escolhesse. Já o canadense Ned Land é de temperamento tempestuoso e passa meses à procura de uma forma de escapar. Assim inicia uma longa jornada que atravessará os oceanos, mares e estreitos por todo o globo, passando por regiões improváveis e extremas.
Nemo, em latim, significa “ninguém”, o que leva o dr. Aronnax a lhe conferir uma origem latina, mas este homem cercado de mistérios é o verdadeiro personagem principal da narrativa. Engenheiro brilhante, projetou todas as partes do Nautilus e mandou fabricar as peças separadamente, reunindo depois a tripulação para montar o submarino, incluindo as melhorias que só seriam vistas fora da ficção dos submarinos nucleares. Tendo abandonado completamente todos os laços que o ligavam à terra, o capitão Nemo constrói o Nautilus como uma extensão de si mesmo, incluindo as mesmas características que refletem seu sofrimento e o desejo de isolamento completo.
Já Ned Land tem um papel fundamental ao tentar ligar o dr. Aronnax de volta à terra firme. A incansável busca do arpoeiro por liberdade frequentemente é o único elo que permite ao doutor esquecer o fascínio pelas descobertas que faz a bordo e pensar que um dia deve voltar para a França e divulgar seu conhecimento.
Leitor, se a sua dúvida também era “Afinal, a quanto equivalem 20.000 léguas?”, a resposta é: uma légua mede aproximadamente 4,8 km. Portanto, 20.000 léguas são 96.000 km. Lembrando que a circunferência da Terra no Equador é de aproximadamente 40.000km, a viagem descrita no livro poderia dar mais de duas voltas completas no globo (em linha reta). Há diversos mapas na intenet retratando a Jornada do Nautilus, abaixo um dos mais interessantes (as legendas do mapa podem ser um spoilers, cuidado).
Antes de ser um grande escritor, Verne é um excelente pesquisador. A imensa variedade de vida marinha, fauna e flora, referências geográficas, de correntes maritmas, tudo descrito em detalhes excruciantes pode afastar alguns leitores dessa incrível aventura, mas não desistam, o resultado final compensa alguns parágrafos descrevendo peixes e algas! A paciência exigida para superar as descrições das muitas horas de espera, preparação e deslocamento, enfim, todo o processo de leitura é o mais próximo que podemos chegar de uma aventura épica sem sair de casa.
A excelente introdução de Roberto de Sousa Causo deixa poucas brechas para uma resenha, fornecendo todo o contexto histórico e literário que o leitor precisa para apreciar esse clássico. Causo também exemplifica algumas das reverberações contemporâneas dos escritos de Verne, inclusive o Steampunk. Atenção apenas para a página 15 onde há spoilers, com informações que só saberíamos lendo outros livros de Verne.
A tradução de minha conterrânea Julia da Rosa Simões é excelente, sem usar muitas expressões em desuso que comprometeriam o entendimento e ainda assim mantém o charme e a cortesia do século XIX. Apesar disso, já na segunda palavra do texto tive que consultar o dicionário para descobrir que “escolho” é sinônimo de “obstáculo”. Não posso comparar com o original em francês, mas tenho uma tradução para o inglês. Comparando rapidamente o início de cada capítulo e alguns trechos que assinalei durante a leitura por conterem informações cruciais no desenvolvimento dos personagens, percebi uma enorme vantagem para essa edição brasileira em clareza do texto e facilidade em apresentar as ideias e conceitos mais complexos, que em parte se deve a riqueza de nossa língua que permite esse tipo de construção, mas também é mérito da tradutora e da equipe. Sem erros de digitação ou de revisão, era o que esperávamos de uma parceria da Cia. das letras com a Penguin. Apesar de ter uma edição mais simples do que os outros títulos da Cia, a coleção Penguin tem capa com destaque plastificado e é bem resistente.
Com “Vinte mil léguas submarinas” podemos conhecer uma aventura fantástica que começou há 144 anos e, se depender de nós leitores, nunca vai acabar.