Crítica “Trama Fantasma”
Década de 1950. Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis) é um renomado e confiante estilista que trabalha ao lado da irmã, Cyril (Lesley Manville), para vestir grandes nomes da realeza e da elite britânica. Sua inspiração surge através das mulheres que, constantemente, entram e saem de sua vida. Mas tudo muda quando ele conhece a forte e inteligente Alma (Vicky Krieps), que vira sua musa e amante.
Na minha apresentação como colunista deste site, escrevi como “O Rei Leão” me fez apaixonar por cinema, logo quando criança. Porém, o ano que realmente pude me declarar uma cinéfila, alguém que constantemente acompanha festivais, premiações, e que se empolga muito com todo o circuito comercial, foi 1999/2000.
Não tinha a idade permitida quando aluguei “Magnólia”, de Paul Thomas Anderson. Fico feliz pela locadora me permitir alugar todo e qualquer filme (o que escolho acreditar ser por minha maturidade precoce, e não pelo fato de ser uma boa pagadora), pois esse foi especial. É por causa deste filme que Julianne Moore é uma das minhas atrizes favoritas. É por causa desse filme que até hoje acompanho tudo que a Aimee Mann lança (“Wise Up” é uma das minhas músicas favoritas, e compõe a magnífica trilha do filme). É por causa desse filme que eu e meus amigos ficamos horas e dias filosofando sobre a “chuva de sapos”. E é por causa desse filme que Paul Thomas Anderson se transformou não só em um dos meus diretores favoritos, mas em alguém que eu confio, que eu sei que me agradará e envolverá.
Foi no Oscar de 2000 que aprendi tudo sobre o circuito de premiações, quem ganha, quem perde, como é tudo um jogo, um quebra-cabeça lógico e um jogo de popularidade. Aprendi torcendo e vendo meus favoritos perderem (este foi o ano de “O Sexto Sentido”, filme que, queira ou não, fez história). E aprendi que Paul Thomas Anderson faz meu tipo.
E ele não me decepcionou: seu trabalho seguinte, “Embriagado de Amor” (2002), é o único filme que consegue arrancar algo decente de Adam Sandler, e é desesperadoramente encantador. Em 2007, Paul Thomas Anderson e Daniel Day Lewis se encontraram pela primeira vez, e o que produziram em “Sangue Negro” é brutal, grotesco, puro, é arte. O que produziram rendeu 8 indicações ao Oscar, 3 dessas para Paul Thomas Anderson, e o 2º de 3 Oscars para o grande Daniel Day Lewis. Em 2012, foi a vez de “O Mestre”, mais uma vez com Phillip Seymour Hoffman (que esteve presente em “Magnólia”), trazendo Joaquin Phoenix e a excelente Amy Adams num filme perturbadoramente bom. 2014 foi o ano de “Vício Inerente”, novamente com Phoenix e a maioria de seus colaboradores técnicos, uma viagem louca e coerente. Então chegamos a 2017, quando lança “Trama Fantasma”, a quarta vez com o compositor Jonny Greenwood, e a segunda (e provavelmente última) vez com Daniel Day Lewis.
Exceto “Embriagado de Amor”, todos os filmes mencionados acima foram agraciados com indicações ao Oscar, algo comum na vida de Paul Thomas Anderson desde “Boogie Nights”, o que atesta seu respeito e aceitação na Indústria Cinematográfica. Nesta década, vimos a celebração dos diretores-roteiristas-produtores, aqueles que estão com o filme do começo ao fim, da primeira ideia até a distribuição final, e Paul Thomas Anderson é um dos representantes mais claros desse celebrado grupo. E “Trama Fantasma” prova por que ele é tão querido e ovacionado: ele é simplesmente muito bom!
O filme é uma história original, e segue a vida pessoal/profissional (não há diferença entre as duas) do estilista Reynolds Woodcock na Londres de 1950. Um gênio em sua arte, é acompanhado por sua irmã obsessiva e controladora Cyrill, e juntos fizeram a Casa Woodcock ser o nome da moda. Surge então a garçonete Alma, que passa a ter grande papel na vida e inspirações de Woodcock, embroa ela seja relutante em ceder suas vontades e personalidade em pró do “gênio” obsessivo e sistemático com quem se relaciona.
São seis indicações ao Oscar, todas elas merecidas, e pelo menos um prêmio é certo: o figurino de Mark Bridges é tão bonito que dói os olhos, aperta o coração e nos faz querer ter uma máquina do tempo para viajar aos anos 1950 e usar roupas daquele estilo. O mais importante: elas parecem uma coleção, feitas por um estilista, com sua personalidade ali tecida. Especialmente considerando o cenário deste filme, o figurino é tão importante quanto a edição, a trilha, e, em si, é um roteiro. E poucas vezes vi algo tão envolvente e que tanto contribui ao filme.
Também devo destacar a trilha sonora de Jonny Greenwood, ao mesmo tempo atrevida e suave, marcante e singela, bagunçada e simples, complexa e sutil. Talvez não seja uma trilha que escutarei ao ler ou relaxar, mas é certamente uma trilha que marca o filme, e que ajuda o ritmo da história. No Oscar, essa Trilha Sonora tem minha torcida, embora a concorrência acirrada, especialmente de “A Forma da Água”, outra trilha muito boa.
As atuações do filme são espetaculares; não há outra palavra para descreve-las. Daniel Day Lewis declarou ser este seu último papel antes da aposentadoria, algo que ele já disse antes e que pode ser ou não um fato. Pelo bem do cinema, espero que não! Daniel Day Lewis nos traz um Woodcock dono da tela, sambando na cara dos inimigos, ao mesmo tempo um menino mimado e um profissional exemplar e dedicado, um bom irmão e um péssimo namorado, um gênio atormentado que busca respeito e atenção. E ele faz tudo isso com uma facilidade que surpreende, ele carrega tudo e todos, o filme é feito para ele e por ele. Não é uma atuação que chama muita atenção para premiações pois não é agressiva ou chamativa (como seu próprio trabalho em “Sangue Negro”), mas simplicidade não é sinônimo de mediocridade. Hoje em dia, eu respeito muito mais as atuações simples e contidas do que as chamativas e alarmantes. Mas Daniel Day Lewis tem 3 estatuetas de Melhor Ator em sua estante, uma a mais apenas atrapalharia o equilíbrio da decoração da sala!
Fiquei muito feliz com o reconhecimento que Lesley Manville recebeu por seu papel de Cyrill neste filme. Um papel coadjuvante por sua natureza, carregado com imensa compostura, expressões faciais e olhares tão significativos e representativos quanto suas falas, e que conseguiu ficar a altura – se não superior – a um personagem tão impositivo quanto Reynolds Woodcock. Palmas também para Vicky Krieps, cuja “Alma” foi inocente quando necessário, teimosa quando queria e psicótica quando preciso.
A história que Paul Thomas Anderson teceu é complicada, longa, mas tem absolutamente tudo que peço num filme: qualidade, sentido, ritmo, direção, e a sensação de quero mais. Sim, o filme é longo, mas não queria que acabasse. Eu queria mais: queria saber o que mais aconteceria naquela casa, com aquelas pessoas, com aquela marca, com aqueles relacionamentos. E ele conseguiu isso sem ter uma lição moral, ou um final necessariamente feliz: é o que é, funciona como funciona, aceite ou não, ponto final.
Ao final deste filme sensacional, eu volto ao que disse anteriormente: Paul Thomas Anderson faz o meu tipo. Na verdade, após este filme, eu corrijo esta afirmação: Paul Thomas Anderson é meu tipo, ele é o tipo de cinema que eu gosto, e mal posso esperar para o que mais ele trará.
Esse seria um romance antigo ??? quero assistir para descobrir, mas só o fato de se passar em londres de 1950 ja ganha meu coração. Achei o elenco impecável e espero que Daniel Day Lewis não aposente agora kkk
Vejo sua paixão por Paul Thomas Anderson em cada linha desta crítica. Desde seu histórico inicial aos dias atuais. Só posso dizer o quanto a sua crítica é bem escrita e expressiva. Espero de verdade que a qualidade encontrada possa se perpetuar por mais obras e que você ainda se encante, como na primeira vez. Meus parabéns Alice.