Resenha: Uma longa queda, por Nick Hornby
Nome do livro: Uma longa queda
Título original: The long way down
Autor: Nick Hornby
Tradutor: Christian Schwartz
ISBN: 9788535924183
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 336
Ano: 2014
Nota: 3,5/5
Onde Comprar: Na editora, Livraria Cultura, Saraiva
Quatro personagens sem nada em comum, a não ser a vontade de botar um ponto-final em suas vidas, se encontram no alto de um prédio em Londres, na noite de Ano-Novo. Tomados pelo impulso solidário de não permitir que os outros se atirem, os dois homens e as duas mulheres acabam adiando a decisão de morrer e formam um peculiar grupo de apoio à vida.
Mas o pacto de sobrevivência é descoberto pela imprensa local, que se regozija com a história pouco convincente de que naquela noite o apresentador de tevê Martin Sharp e seus amigos receberam a visita de um anjo que lhes convenceu a não pular. O que o público não sabe é que a história fantasiosa foi inventada como parte dos planos de sobrevivência criados pelos quatro, que, imbuídos da tarefa de se manterem vivos até pelo menos o Dia dos Namorados – outra data bastante requisitada para suicídios -, têm como objetivo apenas tornar a vida mais divertida até o próximo compromisso.
Utilizando os recursos narrativos que consagraram seus livros anteriores, Nick Hornby emprega em Uma longa queda o humor autodepreciativo e as referências à cultura pop, mas prepara uma surpresa para os leitores ao tratar de temas tão polêmicos como o suicídio, a pedofilia, o abandono afetivo da família e a incapacidade mental. Tidos como especialidades da ciência ou material para a literatura de autoajuda, os abismos psíquicos e sociais surgem no livro em sua forma mais evidente e humanizada, como histórias vividas por pessoas comuns – e que por isso mesmo não escapam de um certo ridículo da experiência do dia a dia.
“Uma longa queda” foi adaptada recentemente para o cinema (estreou no Brasil com pouco impacto em maio de 2014) com Pierce Brosman e Aaron Paul (o Jesse da Série Breaking Bad) no elenco. Interessante foi ver que lendo a sinopse não tive vontade de assistir o filme na época do lançamento, mas pelo nome de Nick Hornby coloquei o livro no topo das leituras assim que a Companhia o lançou!
Na trama, quatro personagens se encontram no teto do Topper’s House (um conhecido ponto de suicídios em Londres) durante as festas de ano-novo. Martin – um falido apresentador de TV que após o divórcio foi preso por ter relações com uma menor de idade. Maureen – uma senhora religiosa e com um filho deficiente. Jess – uma menina que age por impulso e descobriu naquela noite que o Topper’s House era conhecido pelos suicídios e resolveu se matar (inicialmente achei que o papel de Jess no filme seria de Aaron Paul, até perceber que era uma mulher). JJ – um músico que perdeu a banda e a namorada no intervalo de poucos meses. O primeiro a chegar é Martin, que estava apenas pensando um pouco antes de pular quando é interrompido por Maureen. Surge então um impasse onde ela não sabe se espera ele pular ou se vai primeiro. Então Jess entra no telhado correndo e é imediatamente detida por Martin, ela insiste em se matar mesmo quando é incapaz de explicar a ele por que quer pular. Enquanto Martin e Maureen estão ocupados em conversar com Jess percebem um jovem assistindo, é JJ, que tinha o suicídio em mente mas preferiu ver as condições do local antes – e se depara com a insólita cena de um ex-apresentador de TV sentado em cima de uma moça, uma senhora de sobretudo a segurava pelas pernas. Após apresentações e curtas explicações do que os levou até aquele telhado todos consentem que não há mais clima para se matar e tentam, pelo menos, resolver o problema de Jess: o ex-namorado, Chas, que sumiu (ou seja: não quer mais ver a maluca que o persegue).
Narrados em primeira pessoa, cada trecho começa com o nome de um dos personagens e acompanha seu ponto de vista desde antes do fatídico encontro até as repercussões na vida de cada um. A linguagem muda para cada narrador, assim como os maneirismos, neuroses e distúrbios. Aos poucos todos ficam muito bem caracterizados conforme descobrimos que escondem pequenas mentiras, confessadas sem pudor ao leitor como acontece com segredos íntimos. Todas as personalidades foram deprimentemente bem montadas, com ótimo equilíbrio de defeitos e qualidades. Interessante ainda notar que os personagens facilmente apontam soluções fáceis e óbvias para os problemas dos outros, mas se veem incapazes de resolver os próprios. Mesmo que a solução final que tenham encontrado fosse a mesma, os caminhos que percorreram para chegar lá foram muito diferentes: Maureen por exemplo, planejou o suicídio durante um ano, enquanto Jess decidiu em minutos!
O texto conta com humor sutil (caracteristicamente britânico)e é repleto de palavrões. O segundo sendo muito mais fácil de perceber do que o primeiro. Muitas das situações podem ser classificadas como surreais, deixam os toques de humor mórbido como um contexto para lidar com assuntos mais importantes. O grande mérito da obra é apresentar uma lição de vida sem incorrer valores morais.
Percebi uma certa falta de critério ao grafar os muitos palavrões: às vezes são colocados como “p…”, “f…”, outrora são escritos por extenso, isso pelo mesmo narrador, em momentos diferentes da trama, oscilando entre uma forma de grafia e outra. Se de fato ficasse explicado que os personagens resolveram escrever suas versões dos fatos, isso poderia ser justificado, mas a narrativa se delineia até o final sem que uma resposta satisfatória para esse impasse seja apresentada. Conhecendo a qualidade das traduções da Cia. acredito que seja um problema do original, mas mesmo assim a constante alteração chama a atenção.
Também não me agradou a perda do duplo sentido do título original: The long way down, ou – O longo caminho (para traduzir abreviando), pode se referir ao caminho tomado pelos personagens para sair do prédio – as escadas – e também para não usar atalhos para se livrar de situações difíceis – que essas soluções rápidas não levam ao crescimento pessoal. A lição do título chega a ser tema de interpretação nas conversas entre os personagens, em um trecho de reflexão. Ao adaptar para “Uma longa queda” perde-se um pouco do impacto do título original.
E uma grande surpresa: mesmo sendo baseada na capa do filme, a ilustração de “Uma longa queda” ainda agrada! Dá para perceber que a silhueta dos atores foi incluída em preto no fundo amarelo, com contracapa laranja. As cores fortes são uma característica dos livros de Nick Hornby, e sem mostrar foto dos atores não ocorre a descaracterização dos personagens na imaginação. Uma capa exemplar para todas editoras que já tiveram um título adaptado para o cinema. Sem erros de digitação (além dos propositais) e com o papel de qualidade em tamanho confortável a leitura é agradável e rápida.
Recomendado a todos que conseguem rir de uma boa piada, mesmo quando ela não tem graça e alguém acaba morto.