Resenha | Terra Faminta, Andrew M. Hurley
Existem muitas formas de se explorar e retratar o luto na literatura. De fato, pode-se argumentar que o ato de escrever, em si, é uma forma de lidar com o próprio luto. O mesmo pode-se dizer, se mergulharmos de cabeça em alguma tendência psicanalítica, do folclore. Mas, forçadas de barra a parte, “Terra Faminta”, de Michael H. Hurley, consegue equilibrar esses dois elementos de forma coesa de tal modo que tudo isso parece fazer um sentido enorme.
Com um tom vazio e pessimista, o livro se sustenta numa constante sensação de desconforto diante do vazio que a vida pode trazer após a perda de algo importante e que nos leva a uma busca por sentido no oculto e no sobrenatural, mesmo que todo o mundo à nossa volta nos provoque a racionalizar, fazendo um bom triller de terror como poucos recentes.
Na trama, quando o filho de cinco anos de Juliette e Richard morre de repente após cometer uma série de atos inexplicáveis de violência ― instigado, segundo ele, por uma voz misteriosa ―, o mundo dos dois desmorona. Seis meses depois, Juliette se recusa a sair de casa e passa os dias fazendo gravações no quarto do filho, esperando conseguir provas de que ele continua lá. Enquanto isso, Richard tenta ao máximo não pensar no menino e volta a atenção para o terreno do outro lado da rua, o qual escava pacientemente, em busca de fragmentos de um carvalho lendário. Assombrados por um presente doloroso e uma expectativa interrompida de futuro, os dois são confrontados pela estranheza e pela solidão de um lugar agora tomado pelo sofrimento. De um lado, o luto deixa cada vez mais clara a distância que os separa; de outro, eles buscam desesperadamente uma ponta de esperança ― apenas para desenterrar um profundo terror.
Parte de uma trilogia temática de Folk Horror, Hurley apresenta aqui um refinamento dos elementos que apresentou em “Loney” e “Devil’s Day” (este último ainda sem publicação no Brasil). Estão ali os elementos do interior britânico e seu clima cinzento e de tempo moroso. Tudo é denso, pesado e os personagens, endurescidos.
A trama se constrói aos poucos, meio titubeante entre o terror de fato e o psicológico. Há algo aqui entre a literatura contemporânea mais cult e a narrativa de Stephen King que duelam pela supremacia do humor da história. E conforme a narrativa ganha camadas, cresce a expectativa de um final digno de um clássico. Quem quer que tenha lido alguma outra obra do autor, já espera que isso não se concretize.
Não é que seja um final ruim no fim da experiência, é apenas um final incompleto, o que não cativa os fãs do gênero. E se há algo mais na narrativa, que justifique o “experimentalismo contemporâneo”, me escapou. Assim como muitos autores atuais, Andrew M. Hurley parece ter construído com muita competência seu cenário e, diante da necessidade de o entregar com a trama, simplesmente decidiu chegar ao desfecho. Nada de explicações. Com isso, todo o clima criado foi perdido num fim de história com furos, pontas soltas e aquela sensação de frustração. Um produto raso e incompleto.
Também como outras histórias contemporâneas, parece feito sob medida para uma adaptação para o cinema ou o Streamming. Torçamos para que caia nas mãos de uma equipe competente.
Terra Faminta, Instrínseca
Andrew Michael Hurley
Tradução: André Czarnobai
Páginas: 240
Gênero: Policial, Suspense e Mistério
Formato: 15,5 x 23 x 1,8 cm