Resenha: Os mil outonos de Jacob de Zoet, de David Mitchell
Nome do Livro: Os mil outonos de Jacob de Zoet
Nome Original: The thousand autumns of Jacob de Zoet
Autor(a): David Mitchell
Tradução: Daniel Galera
Editora: Companhia das letras
ISBN: 9788535925388
Páginas: 568
Ano: 2015
Nota: 4/5
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Os Mil Outonos de Jacob de Zoet – No ano de 1799, o império japonês está totalmente fechado aos estrangeiros, com uma única exceção: na ilha artificial de Dejima, na costa de Nagasaki, seus últimos parceiros comerciais europeus, os holandeses, mantêm uma feitoria. Em busca da fortuna que lhe permitirá casar-se com sua amada Anna, o jovem escriturário Jacob de Zoet parte de navio para o Oriente e acaba sendo incumbido por seu tutor da missão de investigar os registros de Dejima em busca de evidências de corrupção. Impedido de praticar a fé cristã, ridicularizado pelos japoneses e hostilizado pelos colegas europeus que tem o dever de investigar, Jacob se sente mais isolado que nunca. Ao mesmo tempo, conhece aos poucos uma galeria de personagens marcantes .
Você já conhece o trabalho de David Mitchell se assistiu o filme “A viagem”, de 2012. Ele é a adaptação do livro “Cloud Atlas”, que foi resenhado aqui no ENF. Desde então a Companhia das Letras tem planos de lançar o livro no Brasil, que agora aparece com o título de “Atlas de Nuvens”. Depois de ler o original compreendo a demora na tradução: são seis histórias espalhadas ao longo de mais de 300 anos; com diferentes narradores, cada um com seu estilo de escrita, maneirismos, vícios e gírias da época, em um mosaico que surge diante do leitor.
Uma obra de referência para conhecer o Japão feudal é Shogun, de James Clavell, que romanceia o primeiro contato entre holandeses e japoneses em torno de 1600, com o choque cultural que deriva das diferenças de valores. Os mil outonos de Jacob de Zoet se passa algumas décadas depois, a partir de 1799, quando a ilha artificial de Dejima, em Nagasaki, serve como posto avançado de comércio dos holandeses.
Jacob de Zoet é um honesto escriturário da Companhia Holandesa das Índias Orientais com um plano: ir para o distante Japão e depois de alguns anos voltar como um homem rico para casar com Anna, a filha de um comerciante. Jacob acompanha o chefe Unico Vorstenbosch, que tem a missão de extirpar os oficiais corruptos de Dejima, além de aumentar as cotas de exportação de cobre que saem do Japão, matéria-prima para os holandeses cunharem sua moeda. Muitas oportunidades estão abertas para um oficial escriturário competente, mas Jacob correrá grandes riscos se continuar honesto. Na distante Dejima, um oficial que não tem apoio de seus superiores corre sérios riscos diante de subordinados inconformados com a súbita perda dos lucros do contrabando.
Mas Jacob também encontra pessoas incríveis do outro lado do mundo: o Dr. Marinus dá aulas de medicina para vários japoneses, entre eles uma mulher, Aibagawa Orito, que estuda para ser uma parteira competente em um país onde os homens não se envolvem na obstetrícia. O intérprete Ogawa Uzaemon fica impressionado com os livros que Jacob trouxe da distante Holanda e uma estreita relação de respeito e estudo se forma entre eles. Além disso, os dois tem em comum a admiração por Orito, estabelecendo o romance com uma maturidade que poucas vezes vi na ficção contemporânea.
Diversos fatos históricos são reais, como a própria ilha de Dejima, o incêndio que ocorreu em 1798 e os nomes de nobres japoneses da época. Muito da história específica da região é desconhecida pelas nossas parcas aulas de história mundial (onde aparentemente o mundo se resume à Europa). Consultando incansavelmente a Wikipedia consegui deduzir que o grande cenário da época é reproduzido com fidelidade, assim como alguns fatos históricos citados ocasionalmente (como o extermínio de católicos japoneses por soldados holandeses, uma das requisições do shogunato para aceitar a Holanda como parceiro comercial).
David Mitchell não comete o mesmo erro que muitos outros autores ocidentais, que tentam recriar o povo japonês apenas pelos pontos positivos e pela beleza da cultura. Um personagem chega a lembrar que no Japão a justiça vem com o poder, aqueles de alto escalão estão fora do alcance das castas mais baixas, mesmo que em tempos de paz os comerciantes enriqueçam enquanto a nobreza empobrece. É esse sistema inflexível que matou os samurais de fome após a unificação do império e o fim das guerras.
“Houve uma época […] em que a nobreza e os samurais mandavam no Japão. […] …mas quem governa agora é a Traição, a Ganância, a Corrupção e a Luxúria.” (Pág. 417)
Sou um fascinado por Go (saiba mais sobre esse jogo de tabuleiro aqui), então ficou clara a influência dos autores japoneses principalmente com a terceira parte do livro, que se chama “O mestre de Go”, mesmo título de um livro de Yasunari Kawabata, lançado no Brasil pela editora Estação Liberdade. Mitchell e Kawabata são muito diferentes em contexto e estética, mas não pude deixar de destacar essa referência, uma entre centenas de outras espalhadas pelo livro.
É incrível a cena em que dois personagens negociam a vida e a morte enquanto acólitos jogam Go no mesmo aposento. As réplicas de argumentação são intercaladas pelo som das peças sendo colocadas no tabuleiro, marcando também o ritmo dos movimentos da discussão. Uma cena simples, mas bem representativa tanto da obra de Mitchell quanto de Kawabata.
Os holandeses jogam xadrez em Dejima, então os fanáticos por cada um dos jogos irão me apedrejar se eu comparar os dois, basta dizer que as características dos jogos mostra como cada povo conduz seus dilemas. Quase no final do livro fica explícita a influência do Go quando um personagem que está próximo de cometer suicídio ritual decide primeiro terminar uma partida de Go. O resultado da partida é muito semelhante a situação que cada um enfrenta. Desculpem se essa explicação é muito vaga, mas fará pleno sentido durante a leitura.
O sentimento ao terminar de ler é de “Finalmente! Um livro que justifica os elogios da contracapa!”. Apenas discordo da afirmação de que seja uma obra-prima, em minha modesta opinião “Atlas de nuvens” é superior por ser mais intrincado, enquanto “Os mil outonos de Jacob de Zoet” é mais acessível ao leitor e tem um final bem definido.
Um dos destaques da edição da Companhia das letras é a ilustração maravilhosa da capa, remetendo aos grandes mestres da pintura oriental (ainda bem que não tem o Monte Fuji no fundo, ele fica a mais de 1000 km de Nagasaki). Há pouquíssimos erros de digitação, mas um é cômico: na página 409 é citada a década de “1970”, quando o correto provavelmente é 1790. Na página seguinte é citado um “landau” (carruagem), então por alguns segundos fiquei pensando se o autor falava de um Ford Landau 1971. Não o culpo se você não rir.
“Os mil outonos de Jacob de Zoet” é o épico dos europeus que não conseguiram domar o oriente. Seduzir, talvez, pilhar e impor sua cultura, certamente, mas por séculos o Japão foi um império fechado para o mundo e subitamente se tornou uma potência industrial, o livro ajuda a entender os mitos da fundação do Japão moderno na perspectiva de um humilde holandês, que foi para o oriente em busca de dinheiro, mas teve que arriscar a vida por seus valores.
Otimo website e post perfeito …
Sera que existem livros publicados aqui no Brasil, outros livros que tratam da “colonizaçao holandesa pelo mundo (ex. : Indonesia, Suriname, o povo boere da Africa do Sul, etc)” ???????
continue assim sempre voltarei aki …