Resenha: O Pintassilgo, por Donna Tartt
Nome do Livro: O Pintassilgo
Nome Original: The Goldfinch
Autor(a): Donna Tartt
Tradução: Sara Grunhagen
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535924688
Ano: 2014
Páginas: 728
Avaliação: 4,5/5
Onde Comprar: Amazon
Theo Decker, um nova-iorquino de treze anos, sobrevive milagrosamente a um acidente que mata sua mãe. Abandonado pelo pai, Theo é levado pela família de um amigo rico. Desnorteado em seu novo e estranho apartamento na Park Avenue, perseguido por colegas de escola com quem não consegue se comunicar e, acima de tudo, atormentado pela ausência da mãe, Theo se apega a uma importante lembrança dela – uma pequena, misteriosa e cativante pintura que acabará por arrastá-lo ao submundo da arte. Já adulto, Theo circula com desenvoltura entre os salões nobres e o empoeirado labirinto da loja de antiguidades onde trabalha. Apaixonado e em transe, ele será lançado ao centro de uma perigosa conspiração. ‘O pintassilgo’ é uma hipnotizante história de perda, obsessão e sobrevivência, um triunfo da prosa contemporânea que explora com rara sensibilidade as cruéis maquinações do destino.
“Era um quadro pequeno, o menor da exposição, e o mais simples: um pintassilgo amarelo, contra um fundo liso e claro, preso a um poleiro por um tornozelo que estava mais para um graveto. (…) Era uma criaturinha descomplicada e prosaica, não havendo nada de dramático a seu respeito; e algo naquele jeito elegante e compacto com que se escondia dentro de si mesmo – seu brilho, sua expressão alerta e observadora – me fez lembrar de fotos que eu tinha visto da minha mãe quando era pequena: um pintassilgo de cabeça negra e olhos fixos.”
(pág 30)
Vencedor do prêmio Pulitzer, O Pintassilgo nos leva a enxergar através dos olhos de Theo um mundo onde nem tudo é bonito como as grandes obras às quais somos apresentados ao longo da narrativa.
A beleza dos objetos descritos no livro é palpável. Mesmo sem vermos a pintura d’O Pintassilgo é possível visualizá-la através da descrição feita pelo narrador, Theo. Os detalhes sobre outras pinturas vistas em uma visita de mãe e filho ao museu nos deixa com vontade de poder vê-las também e apreciar os detalhes ressaltados pela bela narrativa de Donna Tartt. A fluidez do texto, a escolha de palavras que não tornam difícil a compreensão e nem trancam o decorrer das páginas, ajuda o leitor a continuar a ler sobre a pessoa perturbada, obsessiva e depressiva que é o nosso narrador. Em vários momentos o texto se arrasta pelo conteúdo tedioso do dia-a-dia do personagem principal, até termos uma reviravolta (e são várias) e as páginas correrem até chegarmos a outro trecho de marasmo.
“(…)porque até as coisas mais ínfimas significam algo. Toda vez que vir moscas ou insetos numa natureza-morta – uma pétala murcha, um ponto preto na maçã -, é uma mensagem secreta que o pintor está te passando. Ele está te dizendo que as coisas vivas não duram – tudo é temporário. A morte na vida. É por isso que se diz natureza-morta. Talvez você não perceba de cara, com toda a beleza e exuberância, a manchinha de podridão. Mas se olhar melhor – ali está.”
(pág 27)
Narrado em primeira pessoa o texto nos deixa em contato direto com Theo e de início nos mostra o quão perturbado ele é, já que nunca foi capaz de superar a morte da mãe em uma tragédia da qual fez parte e da qual jamais se recuperou. Ele tenta mostrar o quanto ela era maravilhosa durante todo o livro e o quanto o mundo foi injusto ao privá-la de viver e deixar que ele próprio sobrevivesse. Pois é isso que Theo faz: sobrevive. Ele envereda cedo pelo mundo das drogas e bebida e apesar de não se afundar totalmente nele, o uso dessas substâncias agrava os problemas em seu psicológico já frágil. Incapaz de enxergar as coisas belas e abstratas da vida, ele torna-se obcecado pela pintura “O Pintassilgo”, buscando paz de espírito em algo belo e palpável, também admirado pela mãe, mas que só lhe causa a sensação de incapacidade e efemeridade. A sensação de incapacidade de sair de seu mundo de pessimismo é constante no texto e faz com que Theo não seja um personagem cativante e com quem não pude me identificar, mas em nenhum momento fui capaz de antipatizar com ele e desejar que a trama seguisse um curso onde ele se sairia mal.
Mas não é só o narrador que é miserável, também os outros personagens, como Boris, filho de um pai bêbado que o espanca de tempos em tempos e, ainda adolescente, já um alcoólatra. Alguém que por viver no ambiente em que vive e ser criado da maneira que foi acredita que é justificado bater no amigo ou em uma mulher se algum desses lhe desagradar. Boris também perdeu a mãe precocemente e apesar de lamentar a injustiça do mundo pelo fato, como Theo o faz, jamais deixa que o pessimismo tome conta de sua vida, aproveitando as oportunidades que lhe são lançadas – nem sempre as politicamente corretas. Mesmo em comparação com o narrador, tendo uma vida considerada pior, ainda consegue não se afundar em depressão, tornando-se muito mais positivo que Theo quase nas mesmas condições. Os dois encontraram conforto um no outro em meio a um mundo onde não recebiam a atenção e o carinho que toda criança e adolescente precisa para se sentir protegido e seguro.
O livro nos mostra um mundo sem redenção, onde as escolhas tem consequências reais. Os personagens poderiam existir em qualquer parte do mundo (com as suas variações) e enfrentar a maioria dos problemas que são mostrados nessas páginas. A incapacidade de visualizar uma saída para o abismo que existe dentro de si, de enxergar as qualidades de uma pessoa e não somente seus defeitos e erros, mesmo que isso seja praticamente esfregado na cara do personagem. Entender que não existe o bem e o mal separados e distintos e que todos tem um pouco de cada uma dessas forças dentro de si e que ações boas ou ruins nem sempre tem o resultado esperado. Uma ação boa pode gerar um resultado ruim e vice e versa. Este livro tem grande valia como algo real no mundo, tratando de pessoas reais.
Quanto a edição, esta está novamente impecável como é o costume da Companhia das Letras. Páginas amareladas, fonte e espaçamentos confortáveis, nenhum erro de revisão encontrado. Para quem como eu ficou curioso quanto a imagem completa de “O Pintassilgo”, que na capa do livro aparece parcialmente descoberta, aí está e boa leitura, pois este é um livro que vale a pena ser conhecido: