Resenha: Não me abandone jamais, de Kazuo Ishiguro
Nome do Livro: Não me abandone jamais
Nome Original: Never let me go
Tradução: Beth Vieira
Autor(a): Kazuo Ishiguro
ISBN: 9788535926552
Páginas: 344
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2016
Avaliação:
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“Kathy H. tem 31 anos e está prestes a encerrar sua carreira de “cuidadora”. Enquanto isso, ela relembra o tempo que passou em Hailsham, um internato inglês que dá grande ênfase às atividades artísticas e conta, entre várias outras amenidades, com bosques, um lago povoado de marrecos, uma horta e gramados impecavelmente aparados.
Uma das características de Kazuo Ishiguro é escrever livros com temas muito diferentes entre si. Os outros livros dele lançados pela Companhia das Letras são “Os vestígios do dia”, o sóbrio relato de um mordomo sobre suas décadas de serviço e “O gigante enterrado” (que já foi resenhado aqui no ENF), um relato surreal que mais parece um sonho.
“Não me abandone jamais” é a narrado pela personagem Kathy H., contando como foi sua vida desde a infância até se tornar adulta. Ela e outras crianças cresceram em uma escola interna chamada Hailsham. Desde pequenas já sabiam que eram especiais e diferentes de seus professores e guardiões, mas só ao longo dos anos eles aprenderam o que os diferenciava dos outros. Muitas coisas em Hailsham são inquietantes, mas são difíceis de definir inicialmente. As crianças nunca falam dos pais ou de férias, por exemplo, e a obsessão dos guardiões para que eles sejam criativos e produzam todo tipo de obras de arte tem papel central em toda a trama.
Kathy tem dois amigos de infância de quem foi muito próxima durante toda a vida. Ruth é uma menina mandona, temperamental, mentirosa, dissimulada e voluntariosa, mas também uma amiga fiel. Tommy é um menino que tinha terríveis acessos de raiva que podiam acontecer a qualquer momento, as outras crianças de Hailsham provocavam esses ataques para se divertir, só com o tempo e com o incentivo de uma guardiã em especial Tommy consegue se controlar. Quando mais velhos e ainda na escola Tommy e Ruth tornam-se um casal e ao sair de Hailsham vão viver com Kathy e outros ex-alunos em um local chamado casario, onde ficam por dois anos até se tornarem adultos e assumirem novas responsabilidades.
Kathy não se importa em contar sua história em ordem cronológica. O livro constantemente se adiantanta e recua no tempo, com histórias fora de ordem, em diversos pontos ao longo do tempo, frequentemente um episódio é narrado apenas para explicar outro que ocorreu anos depois. Kathy também assume que não é uma narradora completamente confiável quando compara com outros personagens o rumo dos eventos cada um tem uma noção diferente.
Em todo o livro o sentimento predominante, que está impregnado nas entrelinhas, é um profundo desespero. É propositalmente irritante a resignação de muitos personagens com seu destino, a ponto de o abraçarem com avidez. Exceto os acessos de fúria de Tommy: essa parece ser a reação mais natural à situação criada, impõe um equilíbrio na narrativa para expiar todo a frustração de uma vez, de maneira incontrolável, súbita.
Recomendo que você não leia as informações sobre a sinopse na orelha do livro e nem no site da Companhia, propositalmente cortei o trecho com spoilers ao colar na sinopse deste post. Ali está escrito o grande segredo do livro. Não saber esse pequeno detalhe aumentará muito o impacto de descobrir o terrível segredo de Hailsham.
“Não me abandone jamais” tem uma simbologia muito direta de como as gerações passadas dilapidam os mais jovens, tomando tudo o que lhes é mais importante, moldando seus futuros de acordo com suas conveniências e a inevitabilidade do reinício desse processo. Quanto ao gênero, o livro pode ser considerado “história alternativa”, flertando com a ficção científica ou ainda no ramo da ficção especulativa, o mote da obra se baseia na premissa “se algo após a II Guerra Mudial fosse ligeiramente diferente do que de fato ocorreu, que mudanças teríamos no presente?”
A edição da Companhia das Letas é impecável como sempre. Não encontrei erros de digitação, a capa é perfeita para o conteúdo do livro tanto na escolha das cores quanto da ilustração. A formatação do livro também combina com os outros dois livros do autor citados no início desta resenha, com o corte colorido na mesma cor da capa, para preencher a estante com muito estilo. Pontos extras para a editora por não ter feito esta nova edição com a capa do filme, que não é particularmente ruim, mas sempre prefiro que seja usada uma imagem original:
“Não me abandone jamais” foi adaptado para o cinema em 2010, com Carey Mulligan interpretando Kathy (ela já interpretou Daisy Buchanan na adaptação de O grande Gatsby, também trabalhou no filme Drive e na série de tv de Northanger Abbey) e Keira Knightley no papel de Ruth. Assisti o filme logo depois da estréia e recomendo. Mesmo que você leia o livro há pequenos detalhes e sutilezas que são diferentes e dão uma nova dimensão e interpretações variadas. Apesar do final ser estritamente o mesmo, o clima e a trilha sonora ajudam muito a compor o cenário deprimente da obra.
Aliás, para o filme foi produzida a trilha sonora chamada “Não me abandone jamais”, que é uma música citada no livro e que dá nome à obra, mas é de uma cantora fictícia. Criaram inclusive uma capa para fita semelhante a que é descrita no livro, aproveite: