Resenha: Mulheres de Cinzas, de Mia Couto
Nome do Livro: Mulheres de Cinzas – Trilogia As Areias do Imperador # 1
Autor(a): Mia Couto
ISBN: 9788535926620
Páginas: 344
Editora: Companhia das letras
Ano: 2016
Avaliação:
Primeiro livro da trilogia As areias do Imperador, Mulheres de cinzas é um romance histórico sobre a época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane, o último grande líder do Estado de Gaza. Em fins do século XIX, o sargento português Germano de Melo foi enviado ao vilarejo de Nkokolani para participar da batalha contra o imperador que ameaçava o domínio colonial. Lá, ele encontra Imani, uma garota local de quinze anos que lhe servirá de intérprete. Enquanto um dos irmãos da menina lutava pela coroa de Portugal, o outro se uniu aos guerreiros tribais. Aos poucos, Germano e Imani se envolvem, apesar de todas as diferenças entre seus mundos. Porém, num país assombrado pela guerra dos homens, a única saída para uma mulher é passar desapercebida, como se fosse feita de sombras ou de cinzas.
Uma história tão triste contada de maneira tão bela. A beleza da escrita de Mia Couto é o que chama mais a atenção nesse livro sobre a colonização portuguesa em Moçambique e a guerra contra o Ngungunyane.
Imani é uma narradora poética que encarna a cultura de seu povo por meio das superstições, crenças e figuras de linguagem que utiliza para contar a sua história. Responsável pela maior parte do texto, nos faz acompanhar as suas inseguranças e crise de identidade, pois não é portuguesa e tão pouco não se encaixa junto a seu povo. Aprendeu a ler e falar português com um padre e tem sua falta de sotaque elogiada, pois aprender perfeitamente a língua do colonizador é algo louvável aos olhos dos portugueses, que julgam os “pretos” como inferiores. Dessa forma, sem ser aceita em sua vila por ser mais parecida com os portugueses, Imani fica solitária e dividida entre dois mundos sem saber qual escolher e sem que nenhum a aceite completamente.
“Sorte a dos que, deixando de ser humanos, se tornam feras. Infelizes os que matam a mando de outros e mais infelizes ainda os que matam sem ser a mando de ninguém. Desgraçados, enfim, os que, depois de matar, se olham no espelho e ainda acreditam serem pessoas.” (pág 61)
O português Germano é mandado à Nkokolani, uma vila da Africa onde mora Imani e faz fronteira com o Estado de Gaza pertencente ao inimigo da coroa, o Ngungunyane. Sua narrativa é feita através de cartas endereçadas ao seu superior em Portugal, para o qual faz confissões e aceita como único amigo e figura paterna, visto que está completamente sozinho em um lugar estranho e convivendo com quem julga inferior. Com uma voz bem menos poética mas ainda assim significativa e capaz de transmitir o sentimento de abandono, Germano narra os acontecimentos que o trouxeram a Nkokolani e seu interesse crescente em Imani. Da mesma forma que ela, Germano também se sente no meio desses dois mundos tão diferentes entre si e não se encaixa em um ou em outro.
Percebemos com a leitura que Portugal não foi o único responsável pela quantidade imensa de mortes que ocorreram na região. Antes de ser colônia, o local já era devastado por guerras entre tribos rivais e as pessoas já eram escravizadas e vendidas entre tribos. Os colonizados que aceitaram se submeter a Portugal esperavam proteção e salvação, visto que também foram catequizados. É triste perceber como esse povo vai perdendo a sua cultura com pequenas invasões estrangeiras que chegam com a promessa salvação, sendo que o objetivo é a exploração tanto das terras quanto da mão de obra.
“A diferença entre a Guerra e a Paz é a seguinte: na Guerra, os pobres são os primeiros a serem mortos; na Paz, os pobres são os primeiros a morrer. Para nós, mulheres, há ainda uma outra diferença: na Guerra, passamos a ser violadas por quem não conhecemos.” (pág 107)
O papel secundário das mulheres em uma guerra não fica evidente nesse livro e sim a importância delas e o quanto a vida em comunidade depende que façam a sua parte, tanto como mães e enfermeiras quanto consoladoras. A participação de Imani nos assuntos bélicos é sutil, mas mesmo assim existente. Sonha com a paz porém ela é tão subjetiva já que nunca foi vista, que acaba sendo mais uma das crenças inocentes do povo. A perda, que faz parte da vida de todos na vila de Nkokolani, é aceita de maneira branda e esperada sem grande alarde por quem está acostumado com a guerra. As personagens de Mulheres de Cinzas estão presas no meio de interesses rivais e ficam somente com as consequências de decisões tomadas por outros e que envolvem as suas vidas.
A capa do livro está muito bonita, com toque aveludado e cores fortes. A diagramação é confortável e simples. Recomendo a leitura a quem interesse em conhecer um ponto de vista diferente sobre a história de Moçambique e que apreciam um livro muito bem escrito.