Resenha: Jonathan Strange & Mr. Norrell, de Susanna Clarke
Nome do Livro: Jonathan Strange & Mr. Norrell
Nome Original: Jonathan Strange & Mr. Norrell
Autor(a): Susanna Clarke
Tradução: Jose Antonio Arantes
Editora: Seguinte
ISBN: 9788535907148
Páginas: 824
Ano: 2015
Nota: 5/5
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Jonathan Strange & Mr. Norrell – Em 1806, a maioria da população britânica acreditava que a magia estava perdida há muito tempo – até que o sábio Mr. Norrell revela seus poderes, tornando-se célebre e influente. Ele abandona a reclusão e parte para Londres, onde colabora com o governo no combate a Napoleão Bonaparte e coloca em prática seu plano de controlar todo o conhecimento mágico do país.
Tudo corre bem até que Jonathan Strange, um jovem nobre e impetuoso, descobre que também possui talentos mágicos. Ele é recebido por Norrell como seu discípulo, mas logo os dois começam a se desentender… e essa rixa pode colocar em risco toda a Inglaterra.
Misturando ficção e fatos históricos, Jonathan Strange & Mr. Norrell levou dez anos para ser escrito e foi baseado em uma extensa pesquisa da autora sobre a história da magia inglesa. O livro combina a mitologia fantástica de J.R.R. Tolkien com a comédia de costumes de Jane Austen, de quem Clarke é admiradora confessa, e ainda acena ao romantismo, à observação social de Charles Dickens e à literatura gótica de Anne Radcliffe.
Recebeu o Hugo Award, um dos prêmios mais importantes no gênero fantástico, além de ter sido indicado ao Man Booker Prize e eleito o melhor livro do ano pela revista Time. Agora adaptado para a TV pela BBC, o livro recebe nova edição, com introdução do escritor Neil Gaiman.
Com uma introdução no estilo fanboy feita pelo escritor Neil Gaiman, onde ele não mede elogios para se dirigir à autora, o livro já cria uma grande expectativa para o leitor antes mesmo da primeira página, e após terminar de lê-lo posso dizer que ele faz jus aos elogios enfáticos de um dos maiores escritores de fantasia da atualidade. Por mais de oitocentas páginas o livro nos conduz a uma Inglaterra diferente da real, porém ao mesmo tempo tão parecida que poderia ser a mesma. Fatos históricos e personalidades ilustres são utilizados sem medo nessa narrativa que começa no ano de 1806 e chega ao final em 1817, deixando-nos saudosos dos personagens que acompanhamos por tanto tempo e por tantas mudanças.
O leitor precisa ser avisado de que mesmo que o livro envolva magia e Inglaterra, as semelhanças com Harry Potter terminam aí. O livro é dividido em três partes, sendo que a primeira é dedicada a Mr. Norrell, o único mago que pratica magia atualmente na Inglaterra, onde por mais de duzentos anos esta arte só foi estudada teoricamente pois ninguém foi capaz de executar um feitiço sequer. Mesmo sem ser capaz de executá-la, a magia continuou sendo estudada e sendo considerada uma nobre ocupação para cavalheiros; ou seja, ninguém que fosse demasiado pobre, sem modos, não-educado ou mulher poderia ser um mago. Mr. Norrell então decide que é necessário restaurar a prática da magia na Inglaterra, porém ele tem uma forma muito peculiar de tentar executar essa tarefa, já que ele mesmo tem pavor de sequer ouvir falar que existe outro mago além dele próprio em qualquer parte do mundo. A segunda parte é dedicada a Jonathan Strange, que descobre por acaso que é um mago e que consegue praticar magia. O inevitável encontro dos dois únicos magos praticantes da Inglaterra é bem interessante, chegando a ser engraçado na medida do humor inglês (o mesmo encontrado nos livros de Jane Austen e Douglas Adams). A terceira parte do livro é dedicada a John Uskglass, o popularmente conhecido Rei Corvo, sobre o qual as inúmeras notas de rodapé falam incessantemente. O Rei Corvo foi uma grande personalidade mágica da história da Inglaterra e faz parte das fantasias mais sombrias e mais maravilhosas dos habitantes de lá. A reação apresentada pelos magos ao pensarem no Rei já diz muito sobre as suas personalidades e isso se consolida durantes todas as páginas do livro: Mr. Norrel não o aprova e Jonathan Strange quer conhecê-lo.
Mas não são só de magos que o livro trata. Também existem outros seres e outros personagens não mágicos, tão bem construídos e tão verossímeis com o mundo em que vivem e as circunstancias em que aparecem, que novamente tenho que acreditar que os elogios desprendidos à autora são proporcionais ao seu talento. O mago de rua mais famoso de Londres, Vinculus, é um grande personagem, que apesar de aparecer modestamente durante a narrativa, tem presença indispensável para o andamento da trama. Lady Pole e seu tormento que a faz desacreditar os homens e odiar a magia, tem presença importantíssima para desencadear a popularidade de Mr. Norrell em Londres. Stephen Black, meu personagem favorito, é mordomo de sir Walter e é atormentado por um encantamento. Há grande destaque para a sua miséria disfarçada de riqueza durante a leitura.
Com uma trama intrincada e de longo passar do tempo, Jonathan Strange & Mr. Norrel é um livro que demanda tempo do leitor, se não para a leitura, para o seu aproveitamento. Em dez anos de narrativa, não só muita coisa acontece com os personagens como os próprios personagens evoluem e mudam. Apesar de ter uma linguagem fácil e fluída, senti que o texto deu uma trancada, principalmente nas partes onde acompanhamos o andamento da guerra contra os franceses. O livro no geral foi bem satisfatório, tendo um final que me agradou de várias formas. Nem todas as minhas perguntas foram respondidas, mas acredito que as mais importantes foram. Se você espera saber mais sobre as origens do Rei Corvo, terá que se contentar com as notas de rodapé.
A edição da Seguinte está muito bonita, com uma capa mais chamativa que a edição anterior, tendo sido acrescentada a introdução do Neil Gaiman. O livro também tem várias ilustrações pra ninguém ficar com preguiça de ler um livro desse tamanho. Infelizmente a edição contém alguns erros de revisão. A folha é a mesma dos demais livros da editora, amarelada, com a fonte de um bom tamanho para a leitura. Mesmo tendo carregado o livro por aí, ao terminar de ler a lombada não ficou marcada e o livro ficou quase como novo. Recomendo a leitura para todo leitor de fantasia. Se gostar de escritores que escrevem sobre ingleses sendo ingleses, melhor ainda.
“(…)Estendi a minha mão, os rios da Inglaterra se desviaram e fluíram noutra direção
Estendi a minha mão, o sangue dos meus inimigos se congelou nas veias
Estendi a minha mão; pensamento e memória saíram voando da cabeça dos inimigos como um bando de estorninhos;
Os inimigos se encolheram como sacos vazios.
Fui até eles saído da névoa e da chuva;
Fui até eles em sonhos à meia-noite;
Fui até eles num bando de corvos que enchiam um céu do norte na aurora;
Quando se acharam seguros, fui até eles com um grito que quebrou o silêncio de uma floresta invernal…
A chuva fez para mim uma porta e por ela passei;
As pedras fizeram para mim um trono e nele sentei;
Três reinos me foram dados para serem meus para sempre;
A Inglaterra me foi dada para ser minha para sempre.
O escravo sem nome tinha uma coroa de prata;
O escravo sem nome era rei num país estranho
As armas que os inimigos ergueram contra mim são veneradas no Inferno como relíquias sagradas;
Os planos que os inimigos fizeram contra mim estão preservados como textos sagrados;
O sangue que derramei nos antigos campos de batalha é retirado da terra manchada por sacristãos do Inferno e posto num vaso de prata e marfim.
Dei magia à Inglaterra, uma herança valiosa,
Mas os ingleses desprezaram meu presente
A magia será escrita no céu pela chuva, mas eles não serão capazes de lê-la;
A magia será escrita nas faces das colinas de pedra, mas suas mentes não serão capazes de contê-la;
No inverno, as árvores estéreis serão uma escrita negra, mas eles não a entenderão
Dois magos surgirão na Inglaterra
O primeiro irá me temer; o segundo desejará me ver;
O primeiro será mandado por ladrões e assassinos; o segundo conspirará para a sua própria destruição;
O primeiro enterrará o próprio coração numa escura floresta sob a neve e, ainda assim, sentirá a própria dor;
O segundo verá o seu mais caro bem na mão do inimigo
O primeiro passará a vida sozinho; será seu próprio carcereiro;
O segundo seguirá por estradas solitárias, a tempestade sobre sua cabeça, em busca de uma torre escura no alto de uma encosta
Sento num trono negro nas sombras, e não haverão de me ver.
A chuva fará para mim uma porta e por ela passarei;
As pedras farão para mim um trono e nele sentarei…(…)” (pág 136-140 – profecia do Rei Corvo)