Resenhas

Resenha: Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex

holocausto_brasileiro_capanovaNome do Livro: Holocausto brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil
Autora: Daniela Arbex
ISBN: 9788581301570
Editora: Geração editorial
Ano: 2013
Páginas: 255
Nota: 5/5
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Durante décadas, milhares de pacientes foram internados à força, sem diagnóstico de doença mental, num enorme hospício na cidade de Barbacena, em Minas Gerais. Ali foram torturados, violentados e mortos sem que ninguém se importasse com seu destino. Eram apenas epilépticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, meninas grávidas pelos patrões, mulheres confinadas pelos maridos, moças que haviam perdido a virgindade antes do casamento.

Ninguém ouvia seus gritos. Jornalistas famosos, nos anos 60 e 70, fizeram reportagens denunciando os maus tratos. Nenhum deles — como faz agora Daniela Arbex — conseguiu contar a história completa. O que se praticou no Hospício de Barbacena foi um genocídio, com 60 mil mortes. Um holocausto praticado pelo Estado, com a conivência de médicos, funcionários e da população.

A história que eu tenho para contar sobre a loucura e o tratamento precário dos pacientes no Brasil é sobre o Hospital Psiquiátrico São Pedro que existe desde 1884, localizado em uma área que é hoje densamente povoada, a fachada do prédio impressiona pela sua imponência e, reformado, poderia ser confundido com uma mansão cinematográfica. O caminho que faço para ir diariamente para ir e voltar do trabalho passa diante dele, é preciso cuidar para não se distrair olhando a fachada que contrasta tanto com os prédios modernos e feios ao redor, mas também lembo que lá dentro ocorreram violações sistemáticas aos direitos humanos, iguais a tantos outros manicômios no país. É comum os moradores de Porto Alegre se referirem com certo receio ao hospital. Lendas urbanas e relatos de funcionários e ex-pacientes inundaram a imaginação popular com histórias tão mirabolantes que o medo já virou superstição.

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Durante a década de 1970 o São Pedro chegou a abrigar mais de 5 mil “pacientes”, um número semelhante ao do hospital Colônia, em Barbacena, na mesma época. Somadas, as tragédias que ocorreram no São Pedro são uma fração do estigma de Barbacena, onde os abusos que foram ocultados durante tantas décadas são expostos em Holocausto brasileiro. Um primeiro passo para que os internos sejam vistos como vítimas, não com desconfiança.

Desde o lançamento do livro fiquei surpreendido por não ter conhecido antes essa história. Cheguei a buscar listas antigas que tinha visto sobre grandes genocídios da história do Brasil e não encontrei nenhuma referência ao Colônia. Mesmo assim, até pouco tempo não tive coragem de começar a leitura, depois de ver relatos que entregavam em poucos parágrafos os horrores que Daniela Arbex descreve esparsamente em 255 páginas.

O livro me surpreendeu por não ser uma sucessão interminável de desgraças a cada frase, o que acabaria banalizando a violência praticada sistematicamente durante décadas no Colônia. Todas as histórias contadas começam com a apresentação de uma pessoa. Todos os “personagens” deste livro tem nome, sobrenome, idade e um papel que desempenharam no mosaico do maior hospício do país. Suas histórias vêm carregadas de emoção, tristeza e abandono, mostrando que não só os pacientes foram vítimas do hospital: famílias foram separadas, funcionários sentem remorso até hoje por não terem conseguido melhorar as condições do local. Várias facetas dessa tragédia são exploradas, dando dimensão e amplitude ao livro, que em poucas páginas e muitas fotos deixa bem clara sua mensagem.

Com mais de 150 mil exemplares vendidos e acumulando prêmios, a 15ª edição de Holocausto brasileiro está no auge: além de não conter erros de digitação, é rico em imagens que ilustram as condições precárias de atendimento e saúde dos internos e mesmo que os absurdos praticados dentro do hospital sejam expostos a cada página, ainda assim é uma leitura educativa e direta, orientada para impedir que esse tipo de tratamento desumano se repita. A foto que ilustra a capa já lembra mais um presídio medieval do que um hospital, portanto é mais do que adequada ao tema. Toda a equipe está de parabéns não só pela edição em si, mas por não deixar esquecido esse capítulo tão triste da história de Minas Gerais e do Brasil.

O canal de tv HBO irá exibir um documentário baseado no livro, que ainda não tem data para ser exibido. Como material adicional recomendo o filme Bicho de sete cabeças (2000), que conta exatamente a história de um adolescente que é internado em um manicômio sem ter um diagnóstico, algo tão absurdamente comum no Colônia.

Muitos preferiam esquecer esta história e se empenharam durante anos para enterrar as vítimas do Colônia. Ainda assim essa história será contada. Os excluídos mandados para morrer no Colônia serão ouvidos.

Jairo Canova

Jairo Canova é Administrador e gosta de livros mais do que imagina.

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