Resenha: Cidade em chamas, de Garth Risk Hallberg
Nome do livro: Cidade em chamas
Nome Original: City on fire
Autor(a): Garth Risk Hallberg
Tradução: Caetano W. Galindo
Editora: Companhia das letras
ISBN: 9788535927047
Páginas: 1040
Ano: 2015
Nota:
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Nova York, 1976. O sonho hippie acabou, e dos escombros surge uma nova cultura urbana, com guitarras desafinadas, coturnos caindo aos pedaços, galerias de arte e casas de show esfumaçadas. Regan e William são herdeiros de uma grande fortuna. Ela, uma legítima Hamilton-Sweeney, vê seu casamento desmoronar em meio às infidelidades do marido. Ele, a ovelha negra, fundador de uma mitológica banda punk e figura lendária das artes de Nova York. Ao redor dos dois gira uma constelação de personagens e acasos- uma jovem fotógrafa, um professor negro e gay, um grupo de ativistas, um garoto careta e asmático e um jornalista que sonha ser o novo nome do jornalismo literário americano. E, em meio a tudo isso, um crime que vai cruzar essas vidas de forma imprevisível e irremediável. Cidade em chamas é um romance inesquecível sobre amor, traição e perdão, sobre arte, rock e o que significa a verdade. Sobre pessoas que precisam umas das outras para sobreviver. E sobre o que faz a vida valer a pena.
A Nova York da década de 1970 era uma cidade em chamas. A geração “baby boom”, nascida logo depois da II Guerra Mundial, chegava ao ápice de sua vida pisoteando os valores da cultura hippie que começou a morrer após o festival Woodstock em 1969. A efervescência cultural da época alcançava novos patamares com artistas e patronos surgindo por todo lugar, músicos de garagem, bandas underground, aspirantes a escritores, pintores e todos os tipos de párias convergiam para a cidade que parecia ser o centro do mundo, com suas luzes, cores, encantos e dissabores.
Mas também havia sérios problemas econômicos e financeiros, como altos níveis de desemprego, má qualidade da educação e desigualdade de renda, o que também facilitou a propagação do punk, uma novidade vibrante e sedutora vinda da Inglaterra que combinava perfeitamente com o sentimento da época e arrebatou multidões de jovens que se identificavam com o estilo agressivo e a desesperança, refletindo em sua música toda a insatisfação e raiva incontida.
“Cidade em chamas” é um livro incrível, vibrante, cheio de raiva e o reflexo de uma década que parece que ainda não acabou. Facilmente a história poderia se passar nos dias atuais, mas a escolha da época caracteriza com ainda mais intensidade o período de mudanças que nos afeta até hoje.
O livro tem diversos personagens vivendo momentos muito distintos, cada um com seus desejos, ambições, inseguranças, históricos e medos, este é um dos motivos do livro ter tantas páginas e todas elas muito bem aproveitadas para desenvolver cada um destes núcleos ao mesmo tempo em que amplia a complexidade da narrativa. Os personagens de “Cidade em chamas” refletem de uma maneira ou de outra esses conflitos de época. Todos tem um histórico escolhido a dedo para representar uma determinada classe e o desenvolvimento de cada um combina perfeitamente tanto com sua índole quanto com o que cada segmento terá nas próximas décadas.
O centro da narrativa se foca no período entre o fim do ano de 1976 até julho de 1977, quando ocorreu o grande blackout que deixou Manhattan sem luz durante uma noite quente de verão. Vou apresentar alguns dos personagens e o que acontecia com eles durante esse período:
- Charlie é um garoto de 16 anos, adotado em um lar de judeus e que conhece o movimento punk através de Samantha, por quem é apaixonado.
- Samantha é uma adolescente muito inteligente, que pulou séries e foi admitida na NYU aos dezessete anos, criou um fanzine para divulgar bandas punks e falar sobre os shows que assiste e publicar suas fotos. Através de uma de suas bandas favoritas, o Ex Post Facto, ela se envolve com um grupo anarquista que se denominam pós-humanistas, com forte influência niilista.
- William era o vocalista do Ex Post Facto, mas abandonou a banda em meio ao vício em drogas e a influência que Nicky Caos, um fã que tenta entrar na banda e acaba como vocalista no lugar de William.
- Mercer recebe uma proposta para trabalhar em uma escola particular em Nova York, vai para a cidade onde pensa em terminar um livro que quer escrever, após começar a se relacionar com William os dois vão morar juntos. É um dos personagens mais carismáticos do livro e é muito fácil se identificar com ele, com suas incertezas e seus pesares.
- Richard é um repórter que resolve investigar a história por trás da escolha da prefeitura de Nova York em trocar a queima de fogos de artifício no ano-novo para um sistema operado por computadores. O pai de Samantha é o dono da empresa que perdeu o contrato com a prefeitura e ao investigar a vida do homem, Richard acabará descobrindo alguns dos segredos de Samantha.
- Regan é irmã de William, mas ela não abandonou a distinta e rica família como fez o irmão, ela é casada e tem dois filhos, é o exemplo da mulher responsável e independente.
- Keith é casado com Regan, trabalha com ações e tem um caso com Samantha.
Apresentados assim fica evidente que muitos personagens giram ao redor de Samantha, ela funciona muito bem como um centro de gravidade ao redor do qual todos os outros circulam com maior ou menor intensidade, ironicamente é uma das personagens centrais que tem menos ações diretas durante a narrativa, o que de maneira alguma invalida ou diminui seu caráter, muito pelo contrário, isso só serve para aumentar seu véu de mistério.
A primeira coisa que vai lhe chamar atenção no livro “Cidade em chamas” é a quantidade de páginas, que não é um obstáculo. A grande quantidade de personagens, cada um com personalidades, ambientação e inter-relações tão intrincadas e distintas que fazem com que as páginas voem. Todos eles irão sofrer algum tipo mudança ao longo do livro, seja em virtude de suas características ou da influência do ambiente em que estão, além de frequentemente ganharem novas dimensões quando são retratados a partir do ponto de vista de outro personagem, fortalecendo as relações que existem entre eles.
Também impressiona que este seja o primeiro romance do autor. A escrita é muito amadurecida, o ritmo apresenta variações na hora certa para melhor representar o estado de espírito do personagem naquele momento. Todas as ferramentas que já vi muitos autores experientes terem dificuldade em usar efetivamente, Hallberg domina como se fosse da sua natureza. Certamente é um autor que vou querer acompanhar os próximos lançamentos (ele diz ter demorado seis anos para escrever “Cidade em chamas”, então talvez não tenhamos nada novo por algum tempo).
Uma última boa notícia: os direitos para filme e série de TV já foram comprados por Scott Rudin. Quem é Scott Rudin? Segundo o IMDB ele é o produtor executivo de alguns filmes que você conhece, tais como: A lenda do cavaleiro sem cabeça, O show de Truman, Desventuras em série, Onde os fracos não tem vez, A rede social, Moonrise Kingdom, O grande Hotel Budapeste e Ex Machina. Pessoalmente ele já ganhou 1 Oscar, mas os filmes que ele participou da produção já venceram 25 vezes e foram indicados 54 vezes. Agora sim a expectativa para a adaptação desse grande livro é altíssima.