Resenha: As Sombras de Longbourn, de Jo Baker
Título: As Sombras de Longbourn
Título original: Longbourn
Tradutor: Donaldson M. Garschagen
Autor: Jo Baker
Páginas: 456
Ano de publicação: 2014
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535923964
Avaliação: 5/5
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Admiradora de Jane Austen, a romancista Jo Baker perguntava-se quem seriam aquelas presenças pontuais e quase inumanas que serviam à mesa ou entregavam um recado para os personagens de Orgulho e preconceito, um dos romances mais recontados em versões literárias desde a sua publicação, há duzentos anos. Por trás de cada descrição da toalete das irmãs Bennet havia certamente o trabalho de uma criada, e cada refeição servida implicava uma cozinheira, um mordomo para servi-la. Qual seria a história não contada desses personagens? “As Sombras de Longbourn” é o romance dessas figuras invisíveis. Sob o comando da governanta e cozinheira sra. Hill, trabalham Sarah e Polly, duas jovens trazidas de um orfanato quando ainda eram crianças para trabalhar na casa. O mordomo idoso, sr. Hill, serve à mesa e divide a administração da casa com a sra. Hill. Os quatro formam um pequeno exército de empregados que labuta dezoito horas por dia para que a família Bennet goze do máximo conforto possível. A chegada de James Smith, um jovem lacaio recém-contratado, irá movimentar o andar de baixo da casa, revelando antigas tensões entre empregados e patrões.
“Depois disso, vestidas, penteadas e embelezadas, Elizabeth e Jane deram-lhe boa-noite. (…)Agora que as moças tinham saído, o quarto perdera a graça e estava sem sentido. Ambas eram lindas, quase deslumbrantes. Enquanto ela própria era, Sarah pensou ao seguir pelo corredor da criadagem e depois subir a escada para o sótão a fim de pendurar seu vestido novo no varão, apenas umas das muitas sombras que ora sumiam, ora apareciam nas fímbrias daquela luz.”
As Sombras de Longbourn é um livro que utiliza Orgulho e Preconceito de Jane Austen como base. Aqui as irmãs Bennet estão em segundo plano enquanto a narrativa é feita do ponto de vista dos criados da casa. Porém não temos uma recontagem de “Orgulho e Preconceito” e sim uma nova história sobre Sarah, Polly, Sr e Sra Hill e James Smith. A autora se utiliza do cenário e da cronologia do livro de Jane Austen, porém os fatos importantes são os vividos pela classe dos empregados. Quem já assistiu o seriado Downton Abbey sabe que os empregados são tão interessantes quanto os donos da casa.
A narrativa mostra de forma um pouco mais realista os afazeres domésticos que eram necessários em uma casa como Longbourn e as consequências deles para os habitantes do andar de baixo (os empregados), como as mãos ficarem com cortes e ressecadas devido a lavagem da roupa e etc. Vemos que a vida de um criado da época não era nada fácil pois ele acabava tendo que viver a vida da família na qual trabalhava; já que possuía somente uma tarde de folga por semana, tinha que morar na casa dos patrões (até mesmo porque o salário pago não seria o suficiente para manter uma casa só sua) e estava em constante trabalho, sendo chamado mesmo durante a madrugada, caso precisassem dele.
Sarah é uma moça bonita que trabalha na casa com várias funções. Por Longbourn ser uma propriedade pequena e consequentemente ter poucos empregados, Sarah não tinha somente uma função e acabava tendo que ajudar na cozinha, na limpeza, servir a mesa e ainda vestir as senhoritas Bennet. Ela não se mostra uma empregada conformada com a sua situação e sim alguém que deseja algo mais da vida do que só comer, limpar comadres e dormir. Ela ainda ajuda Polly, uma menina de cerca de doze anos que também trabalha na casa e, assim como Sarah, foi retirada de um orfanato para ser treinada como criada, amenizando suas tarefas. A moça não fica estagnada durante a narrativa. Ela busca algo pelo qual viver e enquanto não encontra utiliza seu tempo livre para a leitura.
Existe, é claro, uma discrepância muito grande entre as obras em termos de personagens. A obra de Jane Austen é cheia de sarcasmo e pode ser considerada uma sátira a vida inglesa da época com seus personagens bem caricatos. Em As Sombras de Longbourn, Jo Baker nos leva por um cenário e personagens mais realistas. O livro fica perto da realidade, até mesmo a forma como é mostrado o sr. Wickham é muito mais perto do verdadeiro sr Wickham do que Jane Austen nos contou. Sabíamos que ele era uma pessoa de mau caráter mas com as belas palavras da autora era difícil imaginar o quanto.
“(…)Ninguém ali parecia ter uma noção real de como era o mundo – uma inocência tão profunda e perigosa quanto uma pedreira. Ele, porém, sabia. Sabia do que os homens eram capazes, e na verdade passara a acreditar que alguns deles nada tinham de humanos, por mais que andassem, conversassem, rezassem, comessem, dormissem e se vestissem como seres humanos. Bastava dar-lhes tempo e oportunidade e eles se revelavam criaturas frias de apetites estranhos. E, para satisfazê-los, não se importavam com o mal que causavam.”
James Smith é um personagem utilizado para nos mostrar um outro lado da época na qual o livro se passa: A guerra. Apesar de na casa do sr Bennet todos admirarem os oficiais e aguardarem com afinco a visita da milícia (principalmente as mais jovens srtas Bennet), a autora acaba com essa ilusão de beleza que os oficiais deixam quando não estão em batalha mostrando como eles se comportam quando estão, e como o decoro, a honra, o respeito, tudo o que é valorizado na sociedade inglesa da época é deixado de lado.
A editora Companhia das Letras nos traz um ótimo título e novamente a edição está impecável. Não há nenhum erro de revisão e a tradução não parece estranha em nenhum momento. A capa é sóbria e simples assim como a vida dos personagens principais da narrativa e as folhas são amareladas e confortáveis para os olhos.
O livro é rico por nos oferecer uma outra visão daquela maravilhosa sociedade inglesa que é mostrada em tantas outras histórias. Temos ainda um vislumbre sobre o homossexualismo, só para mostrar que mesmo não mencionado no original ele facilmente poderia existir, já que os arranjos como o mostrado no livro também existiram na realidade. Recomendo a leitura para todos que leram os livros de Jane Austen e os convido a verem um outro lado de Orgulho e Preconceito – este não desmerece em nada o livro original, pelo contrário, só o enriquece.