Resenhas

Resenha: A morte do pai, de Karl Ove Knausgård

A_MORTE_DO_PAI_1367621684BNome do livro: A morte do pai
Série: Minha luta #01
Autor: Karl Ove Knausgård
Editora: Companhia das letras
ISBN: 9788535922509
Ano: 2015
Páginas: 512
Nota: 5/5
Onde Comprar: Compare Preços

 

Uma noite de ano-novo e rebeldia, regada a cervejas vedadas aos menores, um amasso nauseante na primeira namorada, um show fracassado com a banda de punk no shopping center – em ‘A morte do pai’, Karl Ove Knausgård se concentra em narrar os anos de sua juventude. Ao embarcar numa investigação proustiana e incansável do próprio passado, o narrador busca entender, sobretudo, a trajetória de seu pai, figura distante e insondável que acaba entrando em declínio e levando o núcleo familiar à ruína. Honesto e sensível, Knausgård investiga também o próprio presente – aos 39 anos, pai de três filhos, ele deve se ajustar à rotina em família e desempenhar as tarefas de pai, trocar fraldas e apartar brigas, tudo isso enquanto tenta escrever seu novo romance, numa luta diária.

 

Marcel Proust dizia que a inspiração inicial para seu clássico Em busca do tempo perdido surgiu enquanto ele comia um bolinho e tomava chá. A mistura dos aromas e sabores o levou de volta à infância e diversas lembranças retornaram. Nos anos seguintes a maneira como essa história foi contata tornou-se um marco na literatura. A série Minha luta do norueguês Karl Ove Knausgård é frequentemente comparada ao épico de Proust, com uma semelhança na origem da ideia inicial: depois de lutar com o manuscrito de um novo livro durante cinco anos, Knausgård viu no piso de madeira formas que lembravam a face de Cristo. Então lembrou de um episódio da infância em que viu pela TV um rosto na espuma do mar durante a filmagem aérea da cobertura de um naufrágio. A descrença dos pais o magoou profundamente e a história da vida do autor durante os anos seguintes toma três mil páginas, divididas em seis volumes.

Knausgård cita a obra Em busca do tempo perdido em meio a longas frases de raciocínio impecável, com ideias diferentes na mesma sentença separadas por vírgulas, exatamente como Proust fazia, assim alimentando as comparações.

Este primeiro volume, A morte do pai, não é contado em ordem cronológica, portanto o autor se apresenta em diversas fases: como uma criança temerosa, adolescente rebelde beberrão e um adulto resignado. Com imensa sensibilidade ele remonta fatos e histórias como se estivesse transpondo para o papel assim que se lembra delas, frequentemente colocando lembranças dentro de lembranças. O resultado é uma história em camadas, que envolve o leitor na vida de Knausgård, suas tristezas e arrependimentos. Ele retrata as inseguranças que todos sentimos ao remontar seu passado e se mostra em constante conflito interno dando exemplos da própria vida de como tensões internas opostas se sobrepõe para criar um indivíduo e de como o somatório das experiências forma uma personalidade.

O título já prenuncia que o evento principal que influencia o rumo deste primeiro volume é a morte do pai de Knausgård, que ocorreu quando o autor tinha pouco mais de trinta anos – e pouco antes de publicar seu primeiro livro. A presença deste “personagem” é avassaladora e vai muito além do túmulo. Devido ao comportamento volátil e violento, só depois de adulto Knausgård percebe que seu pai é mais trágico que assustador. A escolha de retratar um evento tão traumático como ponto de partida é um grito de libertação, um manifesto do autor para se livrar logo da influência paterna e finalmente poder contar a própria história.

A edição da Companhia das Letras é impecável, de tamanho confortável, com fonte de bom tamanho e papel de boa qualidade, vale cada centavo. A revisão também foi excelente, não encontrei erros de digitação. Além disso, o bônus final é a tradução a partir do texto original em norueguês, que por si só apresenta uma série de desafios.

Aproveite que este é o volume com menos páginas em toda a série, muito menos intimidador que os demais. O texto não é excessivamente filosófico nem se apega a melodramas, alternando diferentes épocas do passado e do presente, desbrava um território da literatura que imerge o leitor na vida do autor-personagem. Diferente do que se imagina em função das comparações com Proust, são comuns os palavrões, insinuações sexuais e descrições explícitas para tornar a história mais factível, formando um misto de ficção e autobiografia. De maneira alguma A morte do pai pode ser encarada como a primeira parte de uma série normal, Minha luta é um imenso livro que foi lançado em seis volumes.

Jairo Canova

Jairo Canova é Administrador e gosta de livros mais do que imagina.

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