Resenhas

Resenha: A Menina Submersa – memórias, por Caitlín R. Kiernan

A_MENINA_SUBMERSA_1395779722PNome do livro: A Menina Submersa – memórias
Nome Original: The Drawning Girl: a memoir
Tradução:  Carolina Caires Coelho, Ana Resende
Autor(a): Caitlín R. Kiernan
ISBN:  9788566636253
Páginas: 320
Editora: DarkSide® Books
Ano: 2014
Avaliação: 5/5
Onde Comprar: Submarino

‘A Menina Submersa – Memórias’ é um verdadeiro conto de fadas, uma história de fantasmas habitada por sereias e licantropos. Mas antes de tudo uma grande história de amor construída como um quebra-cabeça pós-moderno, uma viagem através do labirinto de uma crescente doença mental. Um romance repleto de camadas, mitos e mistério, beleza e horror, em um fluxo de arquétipos que desafiam a primazia do ‘real’ sobre o ‘verdadeiro’ e resultam em uma das mais poderosas fantasias dark dos últimos anos. Considerado uma ‘obra-prima do terror’ da nova geração, o romance é repleto de elementos de realismo mágico e foi indicado a mais de cinco prêmios de literatura fantástica, e vencedor do importante Bram Stoker Awards 2013. A autora se aproxima de grandes nomes como Edgar Allan Poe e HP Lovecraft, que enxergaram o terror em um universo simples e trivial – na rua ao lado ou nas plácidas águas escuras do rio que passa perto de casa -, e sabem que o medo real nos habita. O romance evoca também as obras de Lewis Carrol, Emily Dickinson e a Ofélia, de Hamlet, clássica peça de Shakespeare, além de referências diretas a artistas mulheres que deram um fim trágico à sua existência, como a escritora Virginia Woolf.

 

A Menina Submersa não é uma história fácil onde as coisas são ditas linearmente. É um livro dentro de um livro, onde adentramos a mente da personagem India Morgan Phelps e suas conjecturas sobre vários outros livros, autores e obras de arte. Reais e fictícios.

” ‘Vou escrever uma história de fantasmas agora’, ela datilografou.

‘Uma história de fantasmas com uma sereia e um lobo’, datilografou mais uma vez.

Eu também datilografei.”

(pág 13)

A narrativa não é linear pois os escritos são feitos com a intenção de lembrar a narradora dos fatos de sua chamada “história de fantasmas” e ajudá-la a organizá-los em sua mente. India Morgan Phelps, conhecida como Imp (que traduzido do inglês significa demônio) é uma garota que tem cerca de vinte e quatro anos e possui o transtorno mental chamado de esquizofrenia desorganizada. A pessoa que sofre desse transtorno tem dificuldade em distinguir as experiências reais das imaginárias, de pensar de forma lógica, de ter respostas emocionais consideradas normais e uma série de outros sintomas. Também podem apresentar comportamento obsessivo compulsivo. Se isso não basta para você achar que esta é uma história de terror, é melhor rever seus conceitos. Sabendo sobre esses sintomas é possível entender o porquê de a narrativa ser como é. Imp tem dificuldade em manter o foco e evita falar de imediato sobre os assuntos que a perturbam.

Mas não ache que isso significa uma narrativa difícil. Pelo contrário, o texto flui muito bem em quase todo o livro. Salvo o que acontece no capítulo chamado “Sete” (pág 199) onde realmente adentramos os pensamentos de Imp durante uma crise. Apesar das idas e vindas na linha do tempo de seu texto, os acontecimentos são construídos em nossa mente aos poucos. A própria narradora nos informa que não é capaz de distinguir entre o que é real e o que é mentira em seu texto, pois para ela todas as coisas descritas aconteceram.

O livro foi ganhador do prêmio Bram Stoker®, importante premiação para livros de terror, que já serve como referência para o tipo de história que será contada. Imp possui um histórico familiar nada invejável onde a avó e a mãe cometeram suicídio, ambas sofrendo de esquizofrenia. A menina segue sua vida com tratamento psiquiátrico e medicamento para manter sob controle suas psicoses e evitar ser internada em um manicômio, como ocorreu com a mãe.

O livro conta com uma série de itens para torná-lo pouco convencional. Além do transtorno mental temos também o lesbianismo e a transexualidade, mesmo que não se aprofunde nesses temas. São citados vários autores, entre eles Virginia Woolf como símbolo de alguém que não conseguiu lutar contra a depressão e sentiu-se aliviada ao ver a possibilidade de livrar-se de sua vida por meio do suicídio (ao entrar no mar com os bolsos cheios de pedras). Imp é uma personagem capaz de entender esse tipo de sentimento e perdoar a escolha feita pela mãe e avó de seguirem este caminho.

“Fantasmas são essas lembranças fortes demais para serem esquecidas, ecoando ao longo dos anos e se recusando a serem apagadas pelo tempo. Não imagino que quando Saltonstall pintou A Menina Submersa, quase cem anos antes de eu vê-lo pela primeira vez, tenha feito uma pausa para considerar todas as pessoas que poderia assombrar. Essa é mais uma característica dos fantasmas, uma característica muito importante: você tem de tomar cuidado porque assombrações são contagiosas. As assombrações são memes, em particular, transmissões de ideias perigosas, doenças contagiosas sociais que não precisam de hospedeiro viral nem bacteriano e são transmitidas de milhares de modos diferentes. Um livro, um poema, (…) um diagnóstico de esquizofrenia (…)”

(pág 24)

As personalidades criadas para a narrativa são tão impecáveis que é difícil acreditar que são ficcionais. O pintor Phillip George Saltonstall e sua tela A Menina Submersa e Albert Perrault e sua tela Fecunda Ratis são tão reais no livro que só após uma busca minuciosa no google fui capaz de acreditar que são personagens e obras fictícias. É possível encontrar algumas versões das pinturas criadas por outros artistas na internet. As imagens usadas a seguir são desse site.

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(The Drawning Girl de Phillip George Saltonstall – na verdade de Michael Zulli)

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(Fecunda Ratis de Albert Perrault – na verdade de Matthew Jaffee festménye)

A edição da Darkside está linda. A capa combina com a narrativa e o design gráfico da parte interna no livro está perfeito. É uma pena que uma edição tão linda de um livro tão significante onde três revisores assinam, tenha vários erros de digitação. As folhas são amareladas e o espaçamento e fonte de bom tamanho garantem uma leitura bem confortável.

Recomendo a leitura para todos que não tem medo de experimentar uma nova história sobre fantasmas: os reais, que assombram a mente humana de pelo menos 1% da população mundial, de acordo com os estudos da OMS (Organização Mundial da Saúde). Para aqueles que gostam de uma boa narrativa que não vai se contentar em levá-los ao lugar-comum das histórias fantásticas.

Franciely

É estudante de Letras por falta de melhor opção (já que não se pode ser somente estudante de literatura), leitora por prazer, amiga dos animais, viciada em internet e resenhista porque gosta de experimentar coisas novas.

2 comentários sobre “Resenha: A Menina Submersa – memórias, por Caitlín R. Kiernan

  • Oii! Acabei de ler esse livro *-*
    Confesso que os motivos que me fizeram comprar foram a lindeza da capa e a loucura da personagem! Mas acabei me encantando profundamente pela narrativa da Caitlín 🙂
    O livro tem um desenvolvimento bem lento, ele realmente me tirou da minha zona de conforto e eu adorei a experiência.
    O engraçado é que em alguns momentos eu queria dar quatro estrelas para ele e em outros eu queria favoritar, hahah. Até agora não decidi ainda!

    Beijos,
    http://www.naestradadafantasia.com

    Obs.: Procurei pelos quadros e estava jurando que fossem reais, hahhaha! Os personagens realmente são muito bem construídos. Detalhe: a floresta do suicídio existe de verdade, né? Porque achei até fotos e matérias sobre ela XD

    Resposta
    • Oi, a floresta do suicídio lá no Japão existe sim ^^ É tão frequente a ocorrência de suicídios lá que ela é cheia de “avisos” pedindo pra pessoas pensarem no trabalho q vai dar prós outros ao se matarem ali e tal e pra pensarem que não devem cometer suicídio.

      Resposta

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