Resenha: A ilha de Bowen, de César Mallorquí
Nome do Livro: A ilha de Bowen
Nome Original: La isla de Bowen
Autor(a): César Mallorquí
Tradução: Catarina Meloni
Editora: Biruta
ISBN: 978-85-7848-140-7
Páginas: 524
Ano: 2014
Nota: 4,5/5
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Tudo começou com o assassinato do marinheiro Jeremiah Perkins, em um pequeno porto norueguês, e com um pequeno pacote, que ele enviou para Lady Elisabeth Faraday. Mas talvez a história tenha começado quando estranhas relíquias foram descobertas em uma antiga cripta medieval. Foi por causa disso que o mal‑humorado professor Ulisses Zarco resolveu embarcar em uma aventura a bordo do Saint Michel, enfrentando inúmeros perigos e o terrível mistério que envolvia a Ilha de Bowen.
César Mallorquí evoluiu muito como escritor desde As lágrimas de Shiva, que teve resenha publicada aqui no ENF. A ilha de Bowen é um livro muito bem lapidado, com uma escrita mais fluente, diálogos mais factíveis e dinâmicos. O autor não se perde na longa narrativa, nem deixa furos ou perguntas sem respostas, todo o raciocínio que leva a essas conclusões é bem embasado. Usa ainda o estilo de Jules Verne e outros grandes escritores de aventuras como uma homenagem, não plágio.
“Verne é um gênero em si mesmo…” (Posfácio, Página 520)
Samuel Durango volta da França para a Espanha em 1920 sem saber o que fazer com o resto de sua vida. Aprendeu o ofício de fotógrafo com seu tutor, Charbonneau, que acabou de morrer na França e deixou para Sam tudo o que tinha. Respondendo a um anúncio no Jornal, ele se candidata a fotográfo da SIGMA, “Sociedade de Pesquisas Geográficas, Meterológicas e Astronômicas”, onde conhece o professor Zarco, homem de personalidade difícil, machista, bruto, violento, intratável, mas também uma pessoa leal, decidida, confiável e genial, dono de uma mente arguta e um observador fantástico, Zarco praticamente ofusca os demais personagens com sua expansividade e característico mau humor.
Durante a preparação para uma expedição à Venezuela para observar os tepuis, a equipe de Zarco recebe a visita de Lady Elisabeth Faraday, esposa de John Foggart, que pede ao professor que a ajude a encontrar o marido, desaparecido a mais de um ano a bordo do Britannia enquanto explorava misteriosos artefatos. Ela diz que John encontrou a tumba de São Bowen no porão de uma igreja medieval no sudoeste da Inglaterra, partindo depois em expedição. Cético, o professor recusa o pedido, mas é finalmente convencido quando Elisabeth lhe dá um fragmento de metal, enviado por John e endereçado ao professor como uma prova irrefutável da importância da descoberta. Zarco contata um químico conhecido seu, Garcia, que analisa o fragmento e chega a desconcertante conclusão que a liga é de titânio puro. Mesmo que seja um metal abundante na natureza, na época não havia tecnologia para criar uma liga pura de titânio (esse processo só seria inventado na década de 1940). A perspectiva dessa e de outras descobertas convence o professor, assim como algumas das manipulações maquinadas por Lady Faraday, o que enfurece o professor, claro. Lady Faraday se junta a expedição com sua filha, Katherine Foggart, assim como o químico, Garcia. A presença dele, mesmo que lógica, é pouco significativa e até o fim do livro quase esquecemos que ele existe.
A bordo do navio a diesel Saint Michel, comandado pelo Capitão Verne (ha-ha) começa a jornada em busca do Britannia e dos tesouros de São Bowen. Em geral, sou muito bom em resolver mistérios e adivinhar o final de livros e filmes, é um passatempo e um exercício mental excelente. Posso dizer com franqueza que percebi o par romântico à 300 páginas de distância, mas o final, o grande mistério do livro, foi uma completa surpresa, então digamos que há certo equilíbrio.
Um ponto em comum com “As lágrimas de Shiva” são as referências literárias diretas, como o Capitão Verne, Arthur Conan Doyle é um personagem citado de passagem e sua novela, “O mundo perdido”, é influência na criação do professor Zarco e na ideia da expedição para a Venezuela. O clássico “Vinte mil léguas submarinas” e o icônico Capitão Nemo também são citados, mas não como obras de ficção, e sim como parte da narrativa, uma excursão que chegou 50 anos antes a vários dos destinos do Saint Michel, inclusive ao local que Nemo acreditava ser Atlântida.
O longo posfácio do autor é esclarecedor para situarmos suas influências literárias e inspirações para criar “A ilha de Bowen”, o que é fictício e o que é real. Compreendi também qual a relação com o livro “2001 – Uma odisséia no espaço”, de Arthur C. Clarke, que até então eu não havia percebido.
A presença feminina no livro é significativa, mas se Sarah, a assistente de Zarco e esposa de Cairo, tivesse uma participação maior no andamento da narrativa seria ainda mais um ponto positivo. Mesmo que encantadora, sua presença é muito limitada. É dela uma cena cinematográfica no começo do livro em que coloca o filho, Tomás, nos braços do acabrunhado Zarco. Assim que fica sozinho com o bebê, Zarco amolece e brinca com a criança; essa passagem simples constrói rapidamente o caráter de Zarco, que embrutece instanteneamente na presença dos demais.
A edição da Biruta está impecável como sempre. Não encontrei erros de digitação, a capa é linda e dentro do tema. Dentro há várias ilustrações e mapas orientando a rota do Saint Michel. Algumas páginas apresentam uma fac-simile do diário de Samuel Durango, dando uma perspectiva em primeira pessoa e quebrando a narrativa impessoal que marca o restante da obra. Este é o livro mais longo de todo o catálogo da editora, com 523 páginas (incluindo o posfácio). Considerando que frequentemente gostaríamos que um bom livro fosse maior, “A ilha de Bowen” deixa o leitor satisfeito tanto em número de páginas quanto em espaço para desenvolvimento dos personagens.
César Mallorquí surge como um novo Dan Brown, escrevendo para um público mais jovem, com um livro muito melhor, personagens muito mais expressivos e um final digno das grandes obras da ficção científica.
A ilha de Bowen devolve à literatura contemporânea o encanto das novelas de grandes aventuras, costurando elementos de vários gêneros para levar o leitor até os lugares mais remotos do mundo em excelente companhia.