Resenha: A festa da insignificância, por Milan Kundera
Nome do livro: A festa da insignificância
Nome Original: La fetê d
Autor(a): Milan Kundera
Tradução: Teresa Bulhões
Editora: Cia das letras
ISBN: 9788535924664
Páginas: 136
Ano: 2014
Nota: 5/5
Onde Comprar: Compare Preços
A festa da insignificância foi aclamado pela crítica e despertou enorme interesse dos leitores na França e na Itália, onde logo figurava em todas as listas de best-sellers. Lembrando A grande beleza, filme de Paolo Sorrentino acolhido com entusiasmo pelo público brasileiro no mesmo ano, o novo romance de Milan Kundera coloca em cena quatro amigos parisienses que vivem numa deriva inócua, característica de uma existência contemporânea esvaziada de sentido. Eles passeiam pelos jardins de Luxemburgo, se encontram numa festa sinistra, constatam que as novas gerações já se esqueceram de quem era Stálin, perguntam-se o que está por trás de uma sociedade que, ao invés dos seios ou das pernas, coloca o umbigo no centro do erotismo. Na forma de uma fuga com variações sobre um mesmo tema, Kundera transita com naturalidade entre a Paris de hoje em dia e a União Soviética de ontem, propondo um paralelo entre essas duas épocas. Assim o romance tematiza o pior da civilização e lança luz sobre os problemas mais sérios com muito bom humor e ironia, abraçando a insignificância da existência humana. Mas será insignificante, a insignificância? Assim Kundera responde a essa questão: “A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de reconhecê-la, é preciso amar a insignificância, é preciso aprender a amá-la”.
Mais conhecido pelo clássico contemporâneo A insustentável leveza do ser, Milan Kundera já teve outros títulos traduzidos pela Companhia das Letras e o peso de seu renome paira sobre esse lançamento. A festa da insignificância leva a marca registrada do autor, mesmo com as significativas diferenças em relação a obra que o consagrou.
É difícil descrever a narrativa em linhas gerais; o livro é dividido em 7 partes, cada uma delas com vários capítulos. Cada capítulo acompanha brevemente um dos 4 personagens principais, descrevendo seus pensamentos, obsessões, compulsões, ideias, oscilações de humor e relações com os demais personagens. A partir do gancho do final de um capítulo a narrativa segue uma linha tênue de raciocínio até o próximo personagem. O foco são as reflexões e preocupações de cada um, então é necessária uma boa memória para lembrar o que melhor os define: seus defeitos.
Alain é obcecado pela sexualidade feminina e observa a mudança dos tempos de acordo com o que é considerado atraente no sexo oposto. Ramon é um elo de ligação, um homem mais velho com uma perspectiva própria do mundo e da mediocridade. D’Ardelo é considerado um narcisista incurável. Já Charles é um desculpante compulsivo, sempre se sente o culpado de algo, independente de quem cometeu o erro.
Entretanto, o personagem mais significante é Quaquelique. Ele é quem melhor representa o ideal subvertido da mediocridade idolatrada, onde o intelecto é menosprezado, o narcisismo é aceito superficialmente e ridicularizado em privado. Para um leitor pragmático, ambos os personagens descritos por Kundera merecem desdém: tanto aqueles ambiciosos orgulhosos, ansiosos por uma oportunidade de inflar seu ego quanto aqueles cuja presença é nula e irrelevante, que minimizam suas metas e objetivos pessoais para assim facilmente atingirem suas conquistas e aspirações medíocres. A tensão gerada no embate dessas duas correntes de comportamento é explorada na obra em situações do cotidiano, com o olhar crítico do autor que deixa o leitor como mero expectador.
A festa da insignificância não é uma leitura descontraída. Exatamente por ser um texto curto, cada frase tem importância e até a memória é testada, já que cada um dos personagens tem poucas características, exigindo atenção. Para o leitor não acostumado a interpretar as intenções do autor, quando a obra tem significado além das páginas, a história fragmentária e desconexa pode parecer desinteressante a princípio, mas certamente deixará um efeito posterior que leva à reflexão. Além disso, cada frase tem significado além do literal, o que torna o livro indicado tanto para iniciação à obra do autor, quanto adequado para quem já o conhece. Em ambos os casos, sugiro uma releitura depois de alguns anos para ver o quanto suas ideias mudaram nesse tempo.
Depois de tantos anos sem um título inédito de Kundera, pode ser um pouco decepcionante que a obra seja curta, e se o texto fosse agrupado não passaria de 100 páginas (praticamente um conto). Mas a Companhia das letras presenteia os leitores com uma edição de luxo, em capa dura branca – um item raro em livros tão pequenos. A fonte é grande com bom espaçamento e muito confortável.
O livro é uma ode de exaltação ao medíocre e à inutilidade, então é fácil entender porque o título na capa é escrito em reprodução de lápis de carvão, dando contraste com a forma com que foi escrito o nome do autor, em fonte completamente diferente, em um desafio semelhante ao que o narrador impõe a seus personagens. Ao escrever esse parágrafo consigo imaginar o capista da editora rindo da minha interpretação, mas vou correr o risco.
A eterna insatisfação humana é tratada de maneira indiferente ao longo das páginas. Kundera é um narrador ácido e persuasivo, seus personagens tentam entender a si mesmos e analisam o mundo sob a perspectiva de pessoas vazias, que pouco compreendem as motivações alheias, sendo eles próprios despidos de propósito e incapazes de compreender seus impulsos.