Resenha: A Arte de Produzir Efeito sem Causa, por Lourenço Mutarelli
Nome do Livro: A Arte de Produzir Efeito sem Causa
Autor: Lourenço Mutarelli
ISBN: 9788535912623
Páginas: 206
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2008
Avaliação: 4/5
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Depois de largar o emprego e a mulher por motivos que guardam uma infeliz coincidência, Júnior pede abrigo na casa do pai. Sem dinheiro nem perspectivas, seus dias se dividem entre o velho sofá da sala transformado em cama, o bar onde bebe com desocupados e as conversas com a jovem e atraente inquilina do pai, Bruna, que ambos espiam através de um furo no armário. A pasmaceira só é interrompida quando começam a chegar pelo correio pacotes anônimos com recortes de notícias velhas — uma delas sobre o episódio em que o escritor William Burroughs matou a mulher acidentalmente.
Enquanto se entrega a reminiscências e persegue objetivos pequenos e imediatos — a próxima refeição, o resgate de uma dívida com o antigo chefe, o dinheiro para o próximo cigarro —, Júnior começa a roer a corda que separa sanidade e loucura.
O tom sombrio e opressivo dos outros livros de Mutarelli aparece aqui novamente, remetendo a influências confessas como Kafka e Dostoiévski. A ele somamse o tédio e o vazio em meio aos quais os personagens se arrastam, num cotidiano marcado por obsessões sexuais e por um cenário típico da baixa classe média.
Confrontado com uma espécie de afasia, incapaz de confiar na própria linguagem, invadido por imagens sombrias, Júnior tenta relembrar seus últimos dias e avaliar os motivos que puseram fim a seu casamento.Mas tudo o que consegue é uma leitura muito particular do que acontece à sua volta,amparada em imagens misteriosas que Mutarelli acrescenta ao romance.
Mais do que um retrato de uma sociedade hostil, em que é preciso escolher entre a adaptação estupidificante e o alheamento auto-destrutivo, A arte de produzir efeito sem causa é um mergulho na consciência individual, um universo que depende de muito pouco para revelar seus limites e abismos.
A Arte de Produzir Efeito sem Causa é um livro embrenhado na mente humana. Retrata, através de Júnior, a sequência de acontecimentos que podem levar um homem à bancarrota, sejam estes acontecimentos de origem natural ou casual ou acidental ou individual. Sejam estes acontecimentos produzidos por desconhecidos, por nós mesmos, pelas pessoas em quem confiávamos ou ainda por causa dos microrganismos que vivem por aí.
Através das páginas vamos nos embrenhando na mente perturbada de Júnior. A cada página vamos descendo as escadas da consciência junto com ele, e aqueles leitores mais aficionados e que incorporam o personagem podem ter a necessidade repentina de um cigarro, um café ou até de um bom médico. Tudo vai se desfazendo e se consumindo de forma a não reconhecermos mais o Júnior da primeira página, ainda que ele já esteja, logo ali, perdido e desestabilizado.
O livro é quase todo escrito por pequenas frases. Penso que esta narrativa contribui ainda mais para a sensação que ele passa de estarmos lendo a mente de Júnior, mesmo que não seja narrado em primeira pessoa… Uma mente cheia de nada e de tudo, tende mesmo a pensar muito e em muitas coisas ao mesmo tempo, o que torna a sequencia curta, quase como que um soluço.
A construção dos personagens é fabulosa. Além de gostosos ‘figurantes’ como os porteiros do prédio, somos apresentados a algumas figuras muito marcantes.
Sr.José (Seu Zé) é o absorto embora preocupado pai de Júnior. É em sua casa que o filho busca refúgio quando se vê perdido. Durante o tempo em que Júnior vive com ele, vamos percebendo que o Sr. Zé vai se tornando o companheiro e preocupado pai dos filhos insanos. Não entende o que acontece, mas está lá…
Bruna é a universitária hóspede de Sr. Zé. Uma luz no fim do túnel. Uma mente sã e equilibrada neste meio de instabilidade. Quando Bruna aparecia, o livro se tornava normal e sereno. Válvula de escape de primeira linha.
Júnior. Bom, Júnior é o retrato do medo de todos nós. Ou melhor, o assombro de todos os que temem perder a normalidade da vida de uma hora para a outra, de forma sequencial e sem volta.
A diagramação do livro é incrível. A capa, as páginas azuis que o apresentam, os diagramas desenhados a cada início de capítulo… Tudo, exatamente tudo está ligado ao enredo todo. À medida que lemos, vamos percebendo que tudo isso é um retrato. Os riscos, as marcas, os rabiscos, tudo faz parte da história. As páginas rabiscadas no meio do livro são um presente à parte. É como estar sentado na mesa de café do pequeno apartamento de Sr. Zé. Além disso tem as bordas externas arredondadas, o que dá um aspecto de agenda, de diário, de algo mais pessoal do que as linhas retas das edições comuns de livros. Não se podia esperar coisa diferente do artista multifacetado Lourenço Mutarelli.
Se você quer um livro intenso e que ataca sua mente, leia A Arte de Produzir Efeito sem Causa. Não espere por fios soltos que se amarram majestosamente no final. Não, quem dá as amarras em alguns pontos é você, leitor. Leia e tire suas próprias conclusões. Não é um livro comum nem básico. Há que se ter uma mente astuta e até um pouco doida para desmascará-lo.
Ao longo da história Mutarelli insere alguns elementos sombrios que perpassam sutilmente as páginas. Nesta resenha eu abordo pouco este lado, porém o filme ‘Quando eu era Vivo’, baseado nesta obra e lançado no último 31 de janeiro, retrata o lado mais fantasioso e assustador do enredo. Veja o Trailer Oficial clicando neste link.
Se não me engano, esse é o mesmo autor do Cheiro do Ralo, não? Eu vi o filme de mesmo nome só e fiquei super curiosa para ler o livro (quando descobri que tinha), só ainda não tive a chance hehe
Também não conhecia esse e já o título é muito instigante, parece ser o tipo de leitura que eu adoraria fazer.
Bjs