O Homem Cordial
Talvez a maior qualidade “O Homem Cordial” esteja em sua capacidade de turvar o julgamento do espectador para identificar o que é ficção e o que é realidade.
Depois de anos de discussões políticas e alargamentos daquilo que consideramos tolerável em nossa sociedade, o filme abraça discussões sobre violência policial, racismo e linchamento (real e virtual) de uma forma tão crua que muitas vezes vamos nos imaginar estar vendo um documentário, ou um jornal de TV (ou até mesmo uma thread no Twitter).
O mundo de lá, o mundo de cá
Na trama, acompanhamos Aurélio (Paulo Miklos), vocalista de uma famosa banda de rock que fez muito sucesso até o final dos anos 90. No entanto, na noite de retorno de sua banda aos palcos, viraliza na internet um vídeo que o envolve na morte de um policial militar. Ninguém sabe o que de fato aconteceu, mas o astro passa a ser alvo de grupos radicais. Aurélio, então, se vê inserido em uma tensa e violenta jornada pelas ruas de São Paulo.
A escolha do elenco é certeira por diversos motivos. Primeiro pelo próprio talento de Miklos, já visto em outras produções emblemáticas em sua carreira. Em seguida, outra beleza é ver em seu estilo e em sua trajetória muito do que seu personagem expressa em seu olhar, em suas falas. Isso vai muito além do fato de que reconhecemos no ator sua carreira musical de sucesso nos anos 80, mas no próprio peso nos ombros que o personagem parece carregar ao olhar para realidade que o cerca.
Desejo antropológico
A direção de Iberê Carvalho (O Último Cine Drive-in), que também assina o roteiro em parceria com Pablo Stoll, abraça a vocação antropológica do título. Evocando a obra de Sérgio Buarque de Hollanda com o termo profundamente ambíguo onde cordialidade pode expressar exatamente o oposto do que o senso comum prega.
A intensidade e o sentido da produção é amplificada principalmente com a última cena que finalmente revela a verdade por trás da confusão que tornou a noite de Aurélio um verdadeiro pesadelo, criando finalmente uma chave de leitura que nos faz pensar sobre tudo sobre uma ótima mais complexa capaz de nos fazer refletir mais uma vez sobre nossa própria realidade.
Ficha Técnica
Direção: Iberê Carvalho
Roteiro: Pablo Stoll e Iberê Carvalho
Produção: Quartinho Direções Artísticas, Pavirada Filmes, Acere e Momento Filmes
Fotografia: Pablo Baião
Direção de Arte: Maíra Carvalho
Som: Daniel Turini, Fernando Henna e Henrique Chiurciu
Montagem: Nina Galanternick
Elenco: Paulo Miklos, Thaíde, Dandara de Morais, Thalles Cabral, Theo Werneck, Fernanda Rocha, Bruno Torres, Murilo Grossi, Mauro Shames, Felipe Kenji, Tamirys O’Hanna, André Deca
País: Brasil
Ano: 2019
Duração: 83 minutos