O Brutalista | Crítica
Poucos chegam a um consenso sobre a arquitetura brutalista. Há quem a considere uma estética fria e imponente, enquanto outros a veem como uma expressão artística poderosa. Mas uma coisa é certa: o debate sobre o estilo nunca desaparece completamente.
Em 2020, por exemplo, o presidente dos EUA, Donald Trump, emitiu uma ordem executiva determinando que os futuros edifícios federais deveriam seguir um “estilo arquitetônico clássico”, alegando que o brutalismo e o desconstrutivismo não atendiam a esses padrões. A coisa não foi pra frente na época e foi revogada no governo seguinte. Paralelamente a essa polêmica, um roteiro estava sendo desenvolvido por Brady Corbet e Mona Fastvold, cineastas em ascensão e assumidamente apaixonados por literatura clássica e história. O resultado chega agora aos cinemas.
Brady Corbet e sua ambição cinematográfica
Ator em filmes como Violência Gratuita, Melancolia e Acima das Nuvens, Brady Corbet vem aos poucos consolidando sua carreira como diretor. Seu primeiro longa, A Infância de Um Líder (2015), estrelado por Bérénice Bejo, foi premiado no Festival de Veneza. Em seguida, veio Vox Lux (2018), que, assim como O Brutalista, foi coescrito com Fastvold.
Ambos os trabalhos anteriores demonstravam a ambição de Corbet e seu desejo de contar histórias impactantes. No entanto, as críticas da época apontavam que, apesar de suas premissas intrigantes, elencos talentosos e design de produção sofisticado, seus filmes frequentemente soavam esteticamente exuberantes, mas narrativamente vazios. É curioso pensar em como são críticas parecidas com as que vemos sobre a arquitetura brutalista. A essa altura, já é difícil dizer o que veio primeiro: a ideia ou a estética, já que o brutalismo nunca deixou de ser por si um tema controverso. Em 2016, o The New York Times publicou uma matéria intitulada “O Brutalismo Está de Volta”, e desde então, o movimento tem sido pauta de discussões acaloradas nas redes sociais. Assim, é natural que um filme como “O Brutalista” encontrasse terreno fértil para nascer.
No longa, acompanhamos a trajetória do arquiteto László Tóth (interpretado por Adrien Brody), um imigrante judeu húngaro que tenta reconstruir sua vida e carreira na América do pós-guerra. Assim como Lydia Tár, Tóth não é um personagem real, mas o filme se esforça para torná-lo uma figura essencial para a arquitetura da época. Não é por menos que muitos vão imaginar que este filme seja uma biografia.
A produção se tornou um forte concorrente ao Oscar, especialmente após levar o Globo de Ouro de Melhor Filme de Drama e o BAFTA de Melhor Direção. Um sucesso alcançado após uma busca sincera por ele, já que Corbet resgata o celuloide e filma com câmeras panorâmicas VistaVision, o que amplia a profundidade e riqueza das imagens capturadas pelo diretor de fotografia Lol Crawley. O resultado é impressionante, reforçando a identidade imponente do brutalismo.
Roteiro, elenco e a força das atuações
Além da estética, o roteiro se destaca por sua atualidade e resiliência. A produção atravessou a pandemia de Covid-19, o texto sobreviveu à greve dos roteiristas e atores, chegando aos cinemas em um momento de intensa turbulência política, incluindo o atual conflito entre Israel e Palestina. Isso para contar uma história que evoca o período pós holocausto e de nascimento do sionismo. Se o filme conseguiu sobreviver a tudo isso, é por ter um roteiro verdadeiramente sólido. Mas a entrega do elenco também é um diferencial. Adrien Brody entrega uma de suas melhores atuações de sua carreira, transmitindo a dualidade entre a rigidez e a vulnerabilidade de seu personagem. Felicity Jones, no papel da esposa de Tóth, dá um coração pulsante à trama – não no sentido romântico convencional, mas como a força que sustenta o filme e seus conflitos.
E ainda, o que mais impressiona em O Brutalista é como o filme ressignifica os princípios do brutalismo dentro de sua própria estrutura narrativa. Ao contrário do funcionalismo puro da arquitetura brutalista, o longa atribui propósito e emoção ao estilo arquitetônico de seu protagonista. Essa abordagem diferencia László Tóth de nomes reais como Ernő Goldfinger, fazendo dele um ícone cinematográfico. Atingindo o topo de sua construção, o filme se posiciona ao lado de grandes clássicos como O Poderoso Chefão, Cidadão Kane e Casablanca, mas com diferenças: enquanto esses filmes antigos são modernos para sua época, O Brutalista se insere no cinema contemporâneo atual, com uma proposta quase arquivista, absorvendo diversas influências para construir suas imagens e narrativas.
E se faz isso bem, é porque se entende como herdeiro das grandes obras do passado. “O Brutalista” já não é mais um filme moderno, e seu brutalismo também não. Ao contrário, representa uma tentativa do próprio cinema americano em nascer de novo, em ver-se não mais como uma pretensa terra das oportunidades, mas em algo gerado por esse sonho. É um sonho torto, talvez até mesmo de ponta cabeça, como o filme já entra em sua primeira e poderosa imagem.
Dessa vez, o marketing não exagerou. O Brutalista é verdadeiramente monumental – não apenas em sua escala cinematográfica, mas na maneira como reflete e reinterpreta a própria ideia de construção, seja arquitetônica ou narrativa. O tempo dirá se essa visão poderá se preservar. O tempo dirá