Na mira dos lançamentos: Companhia das Letras (julho/2016)
Confiram os lançamentos desse mês da Companhia das Letras:
COMO SE ESTIVÉSSEMOS EM PALIMPSESTO DE PUTAS, de Elvira Vigna
Dois estranhos se encontram num verão escaldante no Rio de Janeiro. Ela é uma designer em busca de trabalho, ele foi contratado para informatizar uma editora moribunda. O acaso junta os protagonistas numa sala, onde dia após dia ele relata a ela seus encontros frequentes com prostitutas. Ela mais ouve do que fala, enquanto preenche na cabeça as lacunas daquela narrativa.
Uma das grandes escritoras brasileiras da atualidade, Elvira Vigna parte desse esqueleto para criar um poderoso jogo literário de traições e insinuações, um livro sobre relacionamentos, poder, mentiras e imaginação.
O CONTO ZERO E OUTRAS HISTÓRIAS, de Sérgio Sant’Anna
Na trilha do espantoso O homem-mulher, um dos mais impactantes livros de ficção publicados no Brasil nos últimos anos, Sérgio Sant’Anna volta à forma curta para explorar os labirintos da existência, do amor, da memória e da solidão.
Neste que é um de seus trabalhos mais pessoais, Sant’Anna combina lembrança e imaginação para recriar viagens, impressões e momentos únicos que se perderam no tempo.
É assim que reconta sua residência artística em Iowa, quando sai do Brasil em meio à ditadura para ter contato com artistas do mundo inteiro, e cujo impacto será sentido décadas após a viagem. Numa prosa viva e moderna, ele retraça os passos do escritor que foi sob a luz do escritor que é agora. O resultado é um caleidoscópio de lembranças que projeta novos significados por toda a obra do autor.
Dessa mesma maneira, “Flores brancas” irá rever outro conto, “Eles dois”, do livro O homem-mulher: o que no segundo era uma das mais preciosas descrições do amor na literatura brasileira, aqui será contado a partir de uma espécie de espelho quebrado, cacos de uma relação que se esfacela aos olhos do autor e do leitor. O resultado é uma viagem ficcional turbulenta e dolorosa pela matéria-prima da paixão e dos relacionamentos.
Se é a memória que conduz essas histórias, a força está na maneira como a ficção refaz o passado. Lembranças de uma viagem com o irmão, do primeiro cigarro, de mulheres que cruzaram sua vida, tudo isso serve de pretexto para que Sérgio Sant’Anna atravesse com o leitor um caleidoscópio de estilos e vozes tão belo, complexo e múltiplo quanto sua obra. O conto zero e outras histórias traz o grande escritor brasileiro em sua melhor forma.
FAREWELL, de Carlos Drummond de Andrade
Publicado em 1996, Farewell é um livro póstumo de poemas de Carlos Drummond de Andrade. Mesmo tendo sido lançado nove anos após a morte do autor, esta é uma obra fundamental que toca em temas centrais da poética do escritor mineiro: o tempo, o amor, a brevidade da vida, a família, o encantamento
pelos cinco sentidos. Não à toa o livro foi distinguido com o prêmio Jabuti em 1997.
Desde o primeiro poema do volume, o majestoso e tão drummondiano “Unidade” (“As plantas sofrem como nós sofremos./ Por que não sofreriam,/ se esta é a chave da unidade do mundo?”), até o último, “Zona de Belo Horizonte, anos 20” (“Serão
sempre assim as mulheres perdidas,/ e perdidas porque nunca se acham/ mesmo no véu de cocaína e éter?”), conclui-se de forma exemplar – e quase didática, de tão cristalina – o arco da poesia do autor itabirano. A melancolia de mãos dadas com o humor gauche, algo canhestro. A suave metafísica e a ironia delicada. Minas e o vasto mundo. Depuração de uma carreira exemplar e rara em nossas letras, Farewell reafirma, com a sensibilidade característica de seu autor, o percurso formal e ético de Carlos Drummond de Andrade. É um livro que, muito a propósito, evoca os andamentos mais tranquilos de Boitempo: o desfile sem alarde da memória e da vida familiar brasileira, a adoração pela poesia de Camões e de Fernando Pessoa, o amor por Greta Garbo e pela vida plena. Encantamentos muito particulares que se tornam universais nas mãos do poeta. Ou pelo menos
se mostram intensamente brasileiros. Daí a permanência da obra de
Drummond.
“Já se observou com razão que o livro póstumo do poeta itabirano repõe
temas e motivos que notabilizaram sua lírica. Poderíamos acrescentar, em relação a isso, que o livro explora a diversidade de registros que caracterizaram sua poesia, da
notação irônica, o sense of humour, à inflexão sublimizante…”, escreve o crítico Vagner Camilo no esclarecedor posfácio à edição. Um livro essencial,
portanto.
MEU NOME É LUCY BARTON, de Elizabeth Strout
“Vocês só vão ter uma história […]. Vocês vão escrever essa única história de muitas maneiras. Nunca se preocupem com a história. Vocês só têm uma.” O conselho de Sarah Payne, ficcionista e professora de escrita criativa, marca Lucy Barton em sua busca por uma voz literária no começo da carreira.
Hoje autora bem-sucedida e narradora deste romance, Lucy está há três semanas num hospital com vista para o edifício Chrysler, em Nova York, se recuperando das complicações de uma simples operação para extrair o apêndice. Sofrendo de saudade das filhas e do marido, ela recebe uma visita inesperada da mãe, com quem não falava havia anos.
Mas o que se segue durante as cinco noites em que as duas ficam juntas não são longas discussões de relacionamento ou uma reconciliação verbal. Estimulada pelo exercício da memória, a narradora convalescente lança um olhar aguçado e humano, sem sentimentalismos, para os acontecimentos centrais de sua vida: o isolamento e a pobreza dos anos da infância, o distanciamento de um núcleo afetivo desestruturado, a luta para se tornar escritora, o casamento e a maternidade.
Enquanto isso, Lucy ouve episódios envolvendo amigos, familiares e conhecidos que povoaram sua juventude em um vilarejo rural de Illinois e vê a intimidade com sua mãe se reinventar entre gargalhadas e silêncios. “Mamãe, você me ama?”, a menina do passado pergunta no presente. “Quando os seus olhos estão fechados”, é a resposta de quem nunca foi perfeita e nem poderá ser em seu amor, e talvez seja essa a única história possível para Lucy Barton.
Excelente ficcionista, atenta às relações humanas e aos momentos mais prosaicos de epifania e de revelação, Elizabeth Strout ilumina a relação primordial, ao mesmo tempo conflitiva e afetuosa entre mãe e filha.
DE JOGOS E FESTAS, de José J. Veiga
De jogos e festas reúne três novelas: “De jogos e festas”, “Quando a Terra era redonda” e “O trono no morro”. Livro vencedor do prêmio Jabuti em 1981, mostra que o extraordinário está nas pequenas coisas. Com olhar aguçado e sensibilidade para trazer os paradoxos do cotidiano, o autor apresenta três histórias que fogem do banal e trabalham – com humor e inteligência – os efeitos daquilo que nos parece completamente inesperado.
Como escreve o crítico José Castello no brilhante posfácio à edição, “José J. Veiga desmonta a identificação mecânica entre o fantástico e o alheio, mostrando, ao
contrário, que o fantástico não só está entre nós como é um efeito da constituição humana – um traço fundamental do próprio humano”.
O MELHOR DO HUMOR BRASILEIRO – Antologia
De relatos e poemas anônimos dos primórdios da nossa colonização aos grandes nomes do humor atual, este volume – com textos garimpados durante anos por Flávio Moreira da Costa – é um passeio delicioso e instrutivo pelo olhar brasileiro mais sardônico. Os textos (crônicas, contos, poemas, trechos espertos de peças teatrais e de romances) contam o acidentado percurso do riso em nossa literatura. Modalidade vista às vezes com algum preconceito pelos letrados mais circunspectos, o humor tem se mostrado uma das forças-motrizes mais vitais e revigorantes das letras brasileiras. Muito deboche e inteligência ao longo de mais de 500 anos.
POEMAS ESCOLHIDOS, de Mia Couto
O escritor moçambicano Mia Couto tem grande incursão na prosa, com livros de contos, crônicas e romances premiados, mas a poesia sempre fez parte de seu universo criativo e segue como uma de suas formas de expressão favoritas. Para esta antologia poética, o autor selecionou poemas de seus livros Idades cidades divindades, Raiz de orvalho e outros poemas e Tradutor de chuvas. Nas palavras de José Castello, autor da apresentação, “Os poemas de Mia Couto são, antes de tudo, reflexivos e filosóficos. […] Abordam o ser e a incompreensível dor de existir. Inspecionam as dificuldades de viver. Trata-se de uma poesia que, sem se pretender didática, entra em sincronia com as perguntas que nos fazemos desde o nascimento”.
NUVEM NEGRA, de Eliana Cardoso
Nos últimos setenta anos, o Brasil atravessou muitas crises: a transição política após o suicídio de Vargas, o pavor do comunismo nos anos 1960, um golpe militar e a corrupção empresarial e política. Esse é o cenário da história de Lotta, ativista política que acreditava no progresso; de Manfred Mann, homem sensível em busca de seu lugar no mundo; e de Kalu, garota de origem simples que tenta driblar o próprio destino.
Com imensa concisão, Eliana Cardoso cria emNuvem negra uma atmosfera sedutora, povoada de personagens que mostram como é complexa a equação entre amor, família e relações sociais – uma fórmula sobre a qual, muitas vezes, nenhum de nós tem qualquer controle.
K – Relato de um busca, de B. Kucinski
Em 1974, a irmã de Bernardo Kucinski, professora de Química na Universidade de São Paulo, é presa pelos militares ao lado do marido e desaparece sem deixar rastros. O pai dela, dono de uma loja no Bom Retiro e judeu imigrante que na juventude fora preso por suas atividades políticas, inicia então uma busca incansável pela filha e depara com a muralha de silêncio em torno do desaparecimento dos presos políticos. K. narra a história dessa busca.
Lançado originalmente em 2011 pela editora Expressão Popular, em 2013 ganhou nova edição pela Cosac Naify, e finalmente, em 2016, chegou à Companhia das Letras. Ao longo desses anos, K. se firmou como um clássico contemporâneo da literatura brasileira.
TRINTA E POUCOS, de Antonio Prata
Mais que qualquer escritor em atividade, Antonio Prata é cultor do gênero -consagrado por gigantes do porte de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Nelson Rodrigues – que fincou raízes por aqui: a crônica.
Pode ser um par de meias, uma semente de mexerica, uma noite maldormida, a compra de um par de óculos, a tentativa de fazer exercícios abdominais. Quanto mais trivial o ponto de partida, mais cheio de sabor é o texto, mais surpreendente é a capacidade de extrair sentido e lirismo da aparente banalidade.
Trinta e poucos traz crônicas selecionadas pelo próprio autor a partir de sua coluna naFolha de S.Paulo. Um mosaico com os melhores textos do principal cronista do Brasil.