Malu | Crítica
escrito pela colunista convidada Malu Guidugli
Existem pessoas que, por mais complexas e difíceis de lidar, nos marcam profundamente. Principalmente se essa pessoa for um familiar, o que deixa a relação ainda mais delicada. No caso do cineasta Pedro Freire, essa pessoa é sua mãe, a atriz de teatro Malu Rocha, falecida em 2013. Em Malu (2024), assistimos a uma reinterpretação das memórias de Pedro sobre o furacão que foi sua mãe.
Logo nos primeiros minutos de filme, já somos muito bem intoduzidos à uma complexa dinâmica familiar. Malu (Yara de Novaes) é uma atriz de teatro desempregada e com temperamento imprevisível, intenso e explosivo que vive com sua mãe, Dona Lili (Juliana Carneiro da Cunha), uma senhora conservadora e racista, em uma casa inacabada num bairro pobre do Rio de Janeiro. Aos fundos do lote, mora Tibira (Átila Bee), um jovem negro e gay que é amigo de Malu e o principal alvo de Lili. Joana (Carol Duarte), filha de Malu, volta do intercâmbio na França e vai passar um tempo na casa de sua mãe, sendo (re)inserida nessa realidade.
Malu tem o sonho de transformar sua casa em um centro cultural para sua comunidade e se apega muito ao seu passado nos palcos e na luta contra a Ditadura Militar. Nas palavras de sua intérprete, Yara de Novaes, em uma entrevista para o portal Meio Amargo, Malu vivia quixotescamente. Em uma briga entre Malu e Joana, a filha diz: “Você sempre fala da sua geração no passado, como se você estivesse morta”. São vivências, sonhos, projetos que habitam a mente de Malu… e ali ficam. Os momentos em que vemos Malu bem e feliz são justamente os momentos em que ela relembra sua vida no teatro, quando ela fala de seu centro cultural e quando ela está com Tibira, sua amizade âncora.
Tibira é uma junção de amigos que Malu teve na vida real, como contou o diretor em uma breve entrevista que realizei com ele e com o elenco na pré-estreia do filme em Belo Horizonte. Ele é um admirador de Malu e é um apoio em sua vida conturbada, trazendo sua versão “leve”. Um contraponto com a relação da atriz com sua mãe e, de certa forma, com sua filha. Malu e Lili vivem constantemente em embate e Joana expõe os traumas que tem por conta da mãe. O filme nos mostra que as relacionamentos de Malu, boa parte do tempo, são conturbados e possuem intervalos de amor e cumplicidade. Esses intervalos, além de acontecerem com Lili e Joana, acontecem, principalmente, com Tibira.
A Direção de Arte traduz muito bem as relações e o interior de Malu. A casa a tanto tempo em construção, bagunçada e chovendo por dentro transmite a realidade conturbada da atriz, com seus problemas e sonhos emaranhados e estagnados. E essa confusão também nos antecipa o estado delicado de saúde de Malu, que desenvolve mal de Príon. No contraponto, o quarto de Tibira, por mais que também se encontre inacabado, é rodeado de brilho, arte e luz, sendo um refúgio.
Pedro Freire nos transmite toda a dinâmica desses personagens por uma câmera bem intimista, nos imergindo nas brigas, alegrias e conflitos internos de cada um. O elenco encanta pela sintonia e competência em contar essa história tão pessoal, ainda mais quando descobrimos que foram apenas três semanas de ensaio e mais três de filmagem. Sensibilidade e tensão andam juntas de forma muito madura e muito bem conduzida pelo diretor.
Há uma frase de autor desconhecido, erroneamente atribuída a Charles Chaplin, que descreve muito bem Malu Rocha: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”. Malu fez tudo isso e mais um pouco. Marcou quem conviveu, encantou quem assistiu. Seus aplausos são mais que merecidos.
Ficha Técnica:
Estréia 31 de outubro de 2024
Drama | 103 min |
Classificação indicativa: 12 anos
Direção e roteiro: Pedro Freire
Elenco: Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha, Carol Duarte e Átila Bee
Fotografia: Mauro Pinheiro Jr.
Montagem: Marilia Moraes
Direção de Arte: Elsa Romero
Figurino: Rô Nascimento
Maquiagem: Marcos Freire
Trilha Sonora: Jonas Sá
Edição de Som: Daniel Turini
Som Direto: Marcel Costa
Mixagem: Daniel Turini
Produção: Bubbles Project, TvZero
Produtor: Tatiana Leite, Roberto Berliner, Sabrina Garcia, Leo Ribeiro
Produtor Associado: Pedro Freire, Carlos Eduardo Valinoti, João Lanari Bo
Distribuição: Filmes do Estação
(https://filmesdoestacao.com.br)
Obrigada pelo convite!! Contem comigo! ❤️
Muito bom o texto! Parabéns a escritora e ao blog pela iniciativa!
Texto lindo! Dá prazer em ler e uma vontade enorme de ver o filme . Parabéns!