Lady Bird e o processo de transição – #52FilmsByWomen
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No início dos anos 2000, sintonizados nas rádios locais ou reproduzindo algum CD, as caixas de som reverberavam “Hand In My Pocket” de Alanis Morissette. Poderiam ser as minhas caixas, ou auto-falantes, mas são a de Chistine “Lady Bird” McPherson, a adolescente de 17 anos que da nome ao filme de Greta Gerwig.
Se o público assistir ao filme, focado na personagem principal, ele verá um filme sobre transição da adolescência para a vida adulta. Verá também outras descobertas como paixões, decepções, anseios e mais o que couber no corpo/mente de uma garota tão jovem. Recomendo então, que o exercício ao ver o filme seja outro, o de observar o todo envolvido nessa mudança. Digo isso, pois há momentos que Lady Bird parece não existir. Quem me dera ter toda aquela auto-afirmação aos 17! Há também os que podem a achar antipática. Algumas necessidades dela, são fúteis o bastante para emitirem essa sensação.
Porém, nada disso é condenável se considerarmos o todo. Esse filme aborda um ano na vida da jovem, que está passando pela transição da adolescência para a vida adulta. Nesse momento o que sabemos é que somos grandes demais para certas atitudes e imaturos demais para outras. É um período marcado por inconstâncias e dúvidas que estão além da compreensão de que se encontra fora daquele corpo em uma constante turbulência. Entretando, mesmo com o foco na protagonista, o desenvolver da história mostra também como as pessoas ao redor da garota são afetadas por suas posturas.
O filme conecta quem o vê com a mãe (Laurie Metcalf), que trabalha arduamente para dar conforto aos filhos; o pai (Tracy Letts), lidando com suas crises profissionais e pessoais; o irmão e a cunhada (Jordan Rodrigues e Marielle Scott); amigas de escola, amores e vizinhança. É um filme sobre pessoas comuns, que você pode encontrar a qualquer momento, em sua rotina cotidiana. Pessoas com as quais você se identifica ou não. Mas uma coisa é perceptível, independente da identificação com as personas na tela, é um filme sobre conflitos femininos.
Mesmo presentes, as personagens masculinas, são coadjuvantes do que é vivido por aquelas mulheres. Na relação entre os pais de Lady Bird, isso é fácil de ser visualizado, quando percebemos que a mãe é a cabeça da família, cuidando de todos, inclusive financeiramente. O fato dela assumir esse lugar, comumente dito ser dos homens em um relacionamento a dois, demonstra que o filme está disposto a quebrar os rótulos existentes ao denominar as mulheres.
Lady Bird, roteirizado e dirigido por um mulher, está disposto a mostrar que mulheres são seres cheios de sentimentos e responsabilidades como quaisquer outro ser humano, habitante do planeta. Que são compostas de falhas e acertos. E que as ditas frescuras, principalmente as da juventude, são em sua maioria as piores escolhas que fazemos de lidar com o que nos assombra. Diante das novidades e responsabilidades que nos são dadas, podemos nos centrar e calar, como também gritar, colocando para fora nossas insatisfações.
Entender que no contexto da obra de Greta, temos varáveis de personagens que estão tomando cada uma de acordo com a sua personalidade atitudes distintas, exemplifica bem a variedade do que somos. Enquanto há momentos nos quais a protagonista é a personificação de quem você é ou foi nessa fase, há o momento que a mãe representa o que você está sendo agora. Somos seres em transição, crescendo e aprendendo a lidar com nossos anseios.
Na sequencia em que Lady Bird conversa com Shelley, sua cunhada e diz que sua mãe é uma chata, ela ouve em resposta o argumento de que sua mão é, na verdade uma pessoa maravilhosa. Quem sabe, Shelley não tinha o mesmo pensamento sobre a mãe alguns anos antes. E isso mudou quando ela é acolhida pela sogra e, entende, talvez que as pegações no pé, fazem parte das muitas cobranças que teremos no decorrer da vida.
Assim como as relações amorosas vividas por Lady naquele ano são exemplos do que encontramos em algum momento, suas decepções são comuns a qualquer um. No momento e idade que ela está passando por isso, pode parecer como o fim do mundo. Quem não se lembra da dor imensa e imensurável que foi terminar seu primeiro romance, ou de todos os dramas e ansiedade envolvendo a primeira relação sexual?
Mais uma vez, um filme sobre o conjunto. Com uma direção direcionada para as interpretações Gerwig conseguiu manter a química entre o elenco. Todos em cena estão bem, possuem carisma e são convincentes em suas idades e personalidades. Os jovens são parecidos com o que me lembro de ter de amigos e colegas durante o ensino médio. Alguns desligados do mundo, outros sonhadores, os CDF e os despreocupados. Cada um com seu argumento e perspectiva de vida, seja ele sair daquela cidade desconhecida, ou se manter nela, ou até mesmo enrolar seu próprio cigarro por crer que está salvando o meio ambiente.
As músicas escolhidas, situam no tempo e em suas letras refletem o que é representado no filme (veja aqui e aqui duas delas). A escolha dos ambientes, que se limitam a residências, escolas e comércio dão caráter realístico ao filme. Existe toda uma preocupação em fazer com que o filme seja palpável. E isso é conseguido, mesmo por quem nunca ouviu falar em Sacramento, na Califórnia.
Com isso temos como resultado um filme que, apesar de se situar em um ano específico expressa situações atemporais. Se não se identificou com Lady Bird, tente criar esse vínculo com as pessoas em seu entorno. Se ainda assim isso não acontecer, fique tranquilo. Só não se obrigue a amar a protagonista para gostar do filme. Há aspectos ali que serão mais fáceis para quem compartilha as mesmas vivências.
Ficha técnica:
Lady Bird – A Hora de Voar (Lady Bird, 2017) Direção: Greta Gerwing
Roteiro: Greta Gerwing
Elenco: Saorise Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letts, Lucas Hedges, Timothée Chalamet, Beanie Feldstein, Stephen McKinley Henderson, Lois Smith
Fotografia: Sam Levy
Trilha Sonora: Jon Brion
Edição: Nick Houy
Direção de Arte: Chirs Jones
Adorei a aposta desse filme de mostrar essa transição que todos vivemos acho que te faz olhar com mais carinho para o outro tentar entende-lo melhor, creio que atualmente os transtornos psicológicos afetam cada vez mais os jovens que estão nessa transição e é bacana poder ver essa trama e tentar entender e ajudar alguém que você conhece e que esta passando por isso. Sobre a voz feminina eu só tenho elogios para a diretora que nessa sociedade tão machista veio mostrar que as mulheres podem tudo!
Analisar o contexto em torno da protagonista deve ser algo bem interessante, diferente até. Afinal, nesses casos (de adolescentes), os anseios do personagem principal geralmente tomam todas as questões da trama. Acho que o ponto aqui é que de alguma maneira iremos nos identificar com algum personagem e isso vai além do esperado.