Críticas

Fogo Fátuo | Crítica

O cineasta João Pedro Rodrigues (“O Ornitólogo” e “O Fantasma”) já se provou um dos grandes nomes do cinema português contemporâneo e, com “Fogo Fátuo”, que chegará aos cinemas brasileiros em 20 de julho demonstra um controle da trama e seus significados em uma narrativa delirante e carregada de potência. O título filme já demonstra certa visão de projeto, dialogando diegéticamente com a duração da produção que com seus breves 67 minutos, tem mais a dizer do que muitos longas vazios de três horas e tanto que hoje povoam os cinemas blockbusters.

Na sessão da cabine de imprensa, assistimos a seguir também o curta premiado “Fantasma Neon“, numa escolha temática capaz de enriquecer e ressignificar a experiência do filme (crítica do curta em breve).

Exibido em Cannes e vencedor do prêmio de direção no Festival Internacional de Bruxelas, “Fogo Fátuo” é uma comédia musical inusitada que se passa no futuro, 2069, ano talvez erótico – logo veremos –, mas fatídico para um rei sem coroa. No seu leito de morte, uma canção antiga o faz rememorar árvores, um pinhal ardido e o tempo em que o desejo de ser bombeiro para libertar Portugal do flagelo dos incêndios foi também o despontar de outro desejo.

“Fogo Fátuo” um musical com pitadas de realismo fantástico

Há aqui um certo tom de realismo fantástico, mas apenas no espiríto, sem a obrigação de seguir as convenções e elementos estruturais do gênero. O que há é certo tom onírico, de um delírio compartilhado onde a câmera é intrusa em meio à profusão de ideias. É também uma comédia musica, com numeros criados para constituir cenas de beleza ímpar. A composição visual lembra sempre pinturas, seja na montagem e enquadramentos dos cenários, cenas ou na composição dos corpos.

Os corpos, inclusive, são uma parte importante na produção, que começa com o corpo do rei sendo velado e que perpassa todo o erotismo explícito do filme. O proprio diretor ressalta em entrevista que procurou contrapor o corpo do principe, banco e loiro como em contos de fadas, com os corpos negros que representam a opressão criado pelo imperio português.

Como resultado, temos aqui uma abordagem inovadora que surpreende e cativa o público. Em vez de provocar estranhamento, o foco é buscar uma perspectiva leve e cômica que ajuda a assimilar o texto e o subtexto através de uma ironia sutil que permanece até a última cena.

É como se o cineasta entendesse que a melhor maneira de desconstruir ideias ultrapassadas de governo, normatividade e racionalidade é através de uma sátira inteligente e autoconsciente. Nessa reinvenção de sua filmografia, Rodrigues adiciona a comédia como ferramenta para dar novos significados a códigos antiquados, promovendo uma verdadeira libertação de conceitos arraigados como as estruturas conservadoras e a ideia do salvador branco.

Flertando com o sci-fi, com a fantasia e um sem fim de outros gêneros. O filme é um frescor à cinefília.

Ficha Técnica

Direção: João Pedro Rodrigues

Roteiro: João Pedro Rodrigues, Paulo Lopes Graça, João Rui Guerra Da Mata

Produção: Vincent Wang, João Pedro Rodrigues, João Matos

Direção de Fotografia: Rui PoçasMontagem: Mariana GaivãoSom: Nuno CarvalhoTrilha Sonora: Paulo Bragança

Design de Produção: João Rui Guerra da Mata

Elenco: Ana Bustorff, Joel Branco, Anabela Moreira, Oceano Cruz, Margarida Vila-Nova, André Cabral, Mauro da Costa, Teresa Madruga

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