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Editoras brasileiras investem cada vez mais na literatura chinesa

De olho no crescimento da publicação de livros brasileiros na China, as editoras do País – que já usam o parque gráfico chinês para imprimir seus livros – apostam no intercâmbio como forma de tornar conhecida não só nossa literatura como de entender a dinâmica cultural do país mais populoso do planeta. Afinal, em que outro lugar um escritor como o romântico mineiro Bernardo Guimarães (1825-1884) venderia 500 mil exemplares? Pois foi mesmo na China que seu romance Escrava Isaura, impulsionado pelo sucesso da telenovela, alcançou esse impressionante número de leitores, lembra o professor Antonio José Bezerra de Menezes Jr., do curso de chinês da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências e Humanas da USP.
Os chineses publicados aqui não vendem, claro, nem um décimo do total de Bernardo Guimarães na China, mas o leitor brasileiro já se acostuma com os nomes de Gao Xingjian (Nobel do ano 2000), Ha Jin, Dai Sijie, Ting-Xing Ye, Guo Jingming, Xinran, Su Tong, Ma Jian, Jung Chang, Liao Yiwu e Yu Ha, de quem a Companhia das Letras acaba de lançar Crônica de Um Vendedor de Sangue (leia texto na página ao lado). Yu Ha é o autor de Irmãos e Viver (ambos publicados pela mesma editora). O último deu origem ao filme homônimo de Zhang Yimou, grande prêmio do júri no Festival de Cannes de 1994, mas banido na China.
Yu Ha é um dos escritores daquela que foi denominada Shanghen Wenxue (Literatura da Ferida). O professor Bezerra de Menezes explica que essa literatura surgiu no final da década de 1980 e foi assim chamada pelas duras críticas ao período da Revolução Cultural (1966-1976) empreendida por Mao Tsé-tung. Marcado por reações violentas da Guarda Vermelha contra professores, artistas e intelectuais não alinhados com a doutrina maoista, esse período não foi, porém, o único violento da história chinesa. Yu Ha, em Viver, mostra um ex-proprietário de terras tentando sobreviver na China pré-revolucionária e segue contando, em Crônica de Um Vendedor de Sangue, como viviam os chineses pobres no final dos anos 1950, elegendo como exemplo um operário, Xu Sanguan, que vive da venda do próprio sangue para sustentar sua família.
Histórias como essa explicam por que o regime maoista perseguiu escritores dissidentes e insubmissos à doutrinação. Dai Sijie, nascido há 58 anos, foi um dos autores que passaram pelos campos de reeducação entre 1971 e 1974, durante a Revolução Cultural, contando sua história no autobiográfico Balzac e a Costureirinha Chinesa. Transformado em filme pelo mesmo Dai Sijie, quando trocou a China pela França em 1984 e virou cineasta, o livro não é apenas o relato da amizade entre dois jovens levados a um campo de reeducação na zona rural. Ele serve de fio condutor para entender o fascínio exercido pelos escritores ocidentais sobre os chineses, que durante anos só tinham os livros de Mao nas estantes. Nele, os dois amigos roubam uma mala cheia de textos literários europeus e seduzem uma costureirinha com palavras de Balzac e peças de Mozart.
Desde a Revolução de 1949, os escritores chineses liam clandestinamente autores ocidentais – considerados “burgueses” pelo regime comunista. Isso fez com que Balzac, Flaubert, Joyce e Kafka se tornassem moeda corrente entre os novos escritores chineses. “Os modelos ocidentais foram incorporados à medida que as novas gerações começaram a ter acesso ao cânone da literatura ocidental, mas, num primeiro momento, esses escritores aprenderam literatura fazendo literatura”, observa Bezerra de Menezes. É o caso do Nobel Gao Xingjian, de 72 anos, que chegou a ser enviado para um campo de reeducação nos anos 1970, como Dai Sijie, aproveitando seus conhecimentos de francês para traduzir autores europeus – Beckett incluído – e, depois, para se fixar em Paris, sendo malvisto pelo regime quando escreveu Fugitivos (1989), que faz referência aos protestos da Praça da Paz Celestial em 1989. Dele, a Objetiva lançou A Montanha da Alma, obra híbrida em que Xingjian mistura história pessoal e ficção para relatar sua longa viagem pela China ao ser diagnosticado com câncer pulmonar.
Nos anos 1990, veio finalmente a abertura – ainda que tímida. O Instituto de Estudos da Literatura Estrangeira da Academia Chinesa de Ciências Sociais passou a patrocinar traduções de autores estrangeiros. Em colaboração com a Fundação Gulbenkian de Portugal, eles introduziram Fernando Pessoa na China e, em 1997, Saramago chegou a visitar o país asiático quando seu romance Memorial do Convento foi publicado em chinês. No Brasil, os esforços para que esse intercâmbio cresça são grandes. Em fevereiro, a Unesp e o Instituto Confúcio, num lance extraordinário de tradução, publicam Os Analetos de Confúcio (551 a.C. e 479 a.C.), a mais importante obra da filosofia confuciana, um conjunto de aforismos que norteia até hoje a conduta moral dos chineses. Mas, no período da Revolução Cultural, na tentativa de romper com o passado, lembra Bezerra de Menezes, os chineses não pouparam “nem mesmo Confúcio”.
O Instituto Confúcio, que mantém sua sede no centro de São Paulo, já abriga 800 estudantes de mandarim, segundo o diretor editorial da Unesp, Jézio Hernani Bomfim Gutierre. “Este ano teremos mais 100 alunos”, conta o professor, anunciando como projeto básico do instituto a publicação de poetas clássicos chineses com tradução direta. “Outras editoras já cuidam da produção contemporânea e queremos publicar pelo menos dois títulos ao ano.” Parece pouco, mas o número de profissionais tradutores de chinês ainda é pequeno para obras complexas, que precisam ser apresentadas ao leitor brasileiro com notas explicativas (como em Os Analetos de Confúcio). Em contrapartida, autores brasileiros começar a chegar à China por meio desse convênio entre a Unesp e o Ministério da Cultura chinês. A obra do cientista político baiano Moniz Bandeira é uma das primeiras. O título inaugural é justamente Formação do Império Americano, sobre a vocação dos EUA para dominar o mundo. Os chineses não são bobos.
Biblioteca
Entre os livros chineses publicados no Brasil merecem atenção Balzac e a Costureirinha Chinesa (Objetiva), de Dai Sijie; A Montanha da Alma (Alfaguara), de Gao Xingjian; e, lançados pela Companhia das Letras, Viver, de Yu Huan; Refugo de Guerra, de Ha Jin; e Cisnes Selvagens, de Jung Chang, autora da biografia Mao.
Bom domingo a todos!
Andrew Magalhães@andrew_mms

3 comentários sobre “Editoras brasileiras investem cada vez mais na literatura chinesa

  • Interessante mesmo.
    Acho que não li nenhum livro de origem chinesa.
    Se forem bons, que venham! 🙂

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  • Caramba, achei não só interessante mas curiosa a matéria, até porque ainda não li nada da literatura chinesa, exceto mangás e etc. Então eu estou contente em saber que mais para frente poderemos encontrar diversidade na literatura! Beijinhos

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