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Crítica “Victoria e Abdul: O Confidente da Rainha”

Acho que é possível afirmar com enorme convicção que o diretor Stephen Frears é um grande crítico da monarquia britânica. Escrevo a frase anterior com ainda mais segurança que escrevo a seguinte: Judi Dench é uma atriz fabulosa, e consegue isoladamente salvar este filme do fracasso.

“Victoria e Abdul – O Confidente da Rainha” é a mais nova película de Frears, diretor que ganhou meu respeito e admiração após os sensacionais “Alta Fidelidade” (obrigatório para os fãs de música), “Sra. Henderson Apresenta” (um lindo filme novamente com a Dame Dench, muitas vezes esquecido), “Philomena” (também com Dench), “A Rainha” (que rendeu o tardio e merecido Oscar a Helen Mirren), e mais recentemente “Florence: Quem é Essa Mulher?”.

Nesta lista, com a exceção do mais pop “Alta Fidelidade”, verificamos a constante de
narrativas históricas, normalmente em torno de mulheres mais velhas, em posição de poder, tendo que superar críticas para mostrar seu valor e ter sua vontade respeitada. Este filme respeita suas lógicas anteriores, especialmente as narrativas com um pé na comédia, outro na ironia e dois braços na crítica. Vimos isso em “Sra. Henderson Apresenta”, com o falso moralismo e a Inglaterra em tempo de guerra; em “Philomena”, com uma narrativa séria, importante, preocupante, de partir o coração, mas mesmo assim com diversos momentos descontraídos, engraçados que quebravam o peso da crítica abordada; e “Florence:
Quem é Essa Mulher?” uma verdadeira comédia da mulher que queria cantar e pronto. Apenas “A Rainha” foge dessa narrativa “cômica/irônica” e parte para o drama e crítica explícita e direta, e não sem razão de longe é o meu filme favorito de todos aqui listados.

Em “Victoria e Abdul”, conhecemos a história esquecida (ou censurada) de Abdul Karim, o indiano muçulmano que fez parte da corte da Rainha Victoria (a Bisavó da Rainha Elizabeth, para quem gosta de genealogia real) nos últimos anos de sua vida. Karim, em um momento de completa opressão, racismo, intolerância e guerra no Império Britânico, foi levado à Inglaterra para temporariamente fazer parte da corte serviçal da Rainha, mas que com seu jeito diferente, descontraído e “ordinário”, conquistou o carinho da Soberana, junto com a
hostilidade da corte.

Surpreendentemente (ou não, considerando o esforço da família real em ocultar essas páginas da história), eu não conhecia esta narrativa, e fiquei muito surpresa e encantada com as possibilidades. Imaginar um súdito muçulmano no auge do imperialismo britânico na Índia em posição de tamanha confiança e importância na corte, o Munshi e a Rainha/Imperatriz que mal conhecia seu reino e súditos trazem discussões extremamente atuais e importantes. Minha expectativa era enorme, considerando o histórico de Frears em suas narrativas, e as conversas sobre possíveis indicações ao Oscar para Judi Dench (mais uma vez, reprisando seu premiado papel em “Mrs. Brown”, sensacional como a Rainha Victoria) e Ali Fazal (ingênuo e simpático como Karim).

Considerando tudo isso, creio que o filme poderia ser maior e melhor, especialmente no roteiro. O caminho escolhido foi o da comédia (que as vezes beirava o estilo britânico pastelão), mesclado com ironia, caindo nas armadilhas de esteriótipos, maniqueísmos, e aquele “lugar comum” de uma narrativa boa, mas mal aproveitada. A direção também deixou a desejar, não conseguindo um ritmo constante entre momentos de confidências e melancolias e aqueles de “alívio cômico”.

O que salva o filme é a atuação de Judi Dench. Todo mundo sabe que ela é uma atriz fantástica, e aqui ela prova mais uma vez que é uma das melhores e maiores da atualidade. Aos 82 anos, ela é uma das poucas em Hollywood que garante qualidade, bilheteria e protagonismo indiscutível e inabalável. Ela é a Rainha Victoria, e como Victoria, ela é a Rainha do filme, de cada cena, de cada fala, de cada momento. Mesmo estando ausente, sentimos sua presença, e isso tudo é devido ao trabalho de construção da personagem: uma Rainha, Impeatriz, egoista, temperamental, impetuosa, gananciosa, mas também uma mulher solitária, não compreendida, carinhosa e inteligente. Ela conseguiu uma façanha admirável: me fez enxergá-la como a Rainha da Inglaterra, mas também como minha avó, alguém forte, mas com um coração aberto, as vezes até infantil.

As conversas de Oscar que o filme inicialmente recebeu (provavelmente por causa da sinopse e das possibilidades da narrativa) não existem mais, exceto por Judi Dench, que tem chances de conquistar sua oitava indicação. Com a temporada de premiação voltando, é alguém para ficar de olho. Inicialmente muito se falou de Ali Fazal, especialmente para a categoria coadjuvante, mas não deve evoluir. Ele foi uma boa escolha e não fez feio, mas não foi
extraordinário, além de ter sido completamente ofuscado pela atriz principal.

Acredito que Victoria e Abdul não será um filme que agradará a todos, mas certamente será um filme que ao longo dos anos muitas pessoas assistirão. E, mesmo se não gostarem, certamente procurarão mais sobre a excêntrica relação entre a Rainha e seu confidente.

Alice Bertucci

Alice Bertucci, coordenadora de cursos de Educação à Distância, descobriu a leitura logo cedo, mesclando clássicos da literatura, romances best sellers com uma certa preferência para autoras britânicas, e sem esquecer um bom suspense policial. Adora cinema, circuito de premiações, e clássicos de Hollywood. Nas horas vagas, monta quebra cabeças e cuida de seu cachorro, um chihuahua ranzinza chamado Peri.

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