Crítica “Praça Paris”
Praça Paris (2017)
Direção: Lucia Murat
Roteiro: Lucia Murat; Rafael Montes
Elenco: Garce Passô; Joana de Verona; Alex Brasil; Digão Ribeiro; Babu Santana
Diretor de Fotografia: Guillermo Tieto
Montagem: Mair Tavares
Rio de Janeiro. Camila (Joana de Verona) é uma terapeuta portuguesa que trabalha na UERJ, onde atende Glória (Grace Passô), ascensorista da universidade. Ao longo das sessões Camila se depara com uma realidade bastante violenta, já que Glória foi estuprada pelo próprio pai quando criança e seu irmão, Jonas (Alex Brasil), é um perigoso bandido que está na prisão. Cada vez mais assustada com os relatos que ouve, ela se sente ameaçada ao mesmo tempo em que Glória passa a vê-la como algo essencial em sua vida.
A diretora Lucia Murat em seu filme Praça Paris triunfa ao falar de questões complexas e incomodas na cidade do Rio de Janeiro. Questões como desigualdade, racismo, violências são desenvolvidas pela ótica das duas protagonistas, mulheres que vivem em mundos opostos. De um lado a psicóloga branca da classe media e do outro a ascensorista negra da periferia. O roteiro escrito em parceira com Rafael Montes tenta sair dos clichês, mas acaba focado na ótica de sua protagonista, a estrangeira, branca da classe media.
Glória (interpretado pela premiada Grace Passô) criada na favela do Morro da Providência, onde vive até hoje, tem uma vida difícil e carrega o trauma de ter sido estuprada pelo pai na infância. O irmão é traficante e, mesmo preso , continua exercendo influencia em sua vida. Mesmo com todos os percalços de Glória vive uma vida honesta. A necessidade de sobrevivência ao longo da narrativa faz com que ela recorra a agressividade e métodos de intimidação tão familiares em sua realidade.
A outra personagem é a portuguesa Camila (Joana de Verona), psicóloga que veio fazer pós- graduação na Universidade do Estado do Rio de (UERJ), local onde Glória trabalha como ascensorista. Há uma subtrama, funesta e misteriosa, envolvendo a avó de Camila que também viveu na cidade do Rio. Porém essa subtrama é pouco desenvolvida. Essa falta de desenvolvimento não chega a atrapalhar o enredo, mas poderia aproximar e esclarecer de onde vem esse “olhar de estrangeiro” que Camila tem.
A terapeuta não está, nem um pouco, acostumada a lidar com tamanho grau de violência, seja por sua condição social de classe média ou pela própria origem européia. O que começou com uma ralação empática de Camila para com sua paciente logo dá espaço a uma ameaça velada. O local de trabalho de Gloria e Camila a UERJ serve tanto com cenário, como personagem. O apartamento da psicóloga também tem essa função de personagem e, também funciona como elemento enlouquecedor.
Um ponto problemático é que todos os moradores da favela, retratados no filme, de alguma forma estão ligados a ilegalidade, seja na atualidade ou no passado. Não seria já a hora do cinema demonstrar que a população periférica, pode encontrar em outros meios sua sobrevivência? Isso pode ser relacionado ao fato do filme focar na ótica de Camila, mas ainda assim, provoca incômodos. A discrepância na atuação entre as atrizes Grace Passô e Joana de Verona é outro fator de incomodo. Enquanto Grace amplia a capacidade de sua personagem através de sua expressão facial dura e intensa, a atriz Joana de Verona não consegue acompanhar essa crescente e sua personagem não demonstra muitos recursos para transmitir sua angustia. A sensação é de que a tentativa de contenção da persona de Camila esvaziou-a da expressão, enquanto a intensidade de Glória a projetou.
Praça Paris é um filme corajoso em mostrar as feridas sociais existentes no Rio de Janeiro. A obra de Murat levanta questionamentos necessários a cerca de questões tão incomodas e complexas na sociedade. Retratar as relações de poder desenvolvidas por meio do racismo institucional é necessário, nos tempos que vivemos. Toda forma de reflexão acerca desse tema é pertinente para percebemos que as questões levantadas pela comunidade negra não é sem fundamento.
Nota: 4/5
*OBS.: todas as imagens foram retiradas do Facebook oficial do filme
A UERJ e o apartamento como personagem? Que loucura imaginar como isso foi idealizado. Sobre o fato da marginalização de toda população periférica, também me incomoda, e é algo que sempre vejo em filmes que buscam retratar essa realidade. É difícil fugir de estereótipos. Em relação às atuações é uma pena que não tenha tido essa igualdade entre as atrizes, tenho certeza que o filme melhoria 100%. Enfim, gostei da crítica.
Beijos
Sim o apartamento e e a Uerj funcionam com personagens. A UERJ foi a primeira Universidade no Brasil a trabalhar com o a inclusão social na universidade através do sistema de cotas, sendo assim a UERJ tem um peso na trama. O apertamento também funciona com personagem nessa historia, pois ele é responsável por causar certos comportamentos na personagem de Joana de Verona. Mesmo recorrendo aos esteriótipo é um filme corajoso em abordar questões sociais tão pungentes em nossa sociedade. Bons filmes!
Sou extremamente fã de filmes que relatam a desigualdade social entre brancos e negros. Mostrar as diferenças de vida das duas personagens foi extremamente importante para vermos que isso é real, de uma lado uma negra que foi abusada e sofre nas mãos do irmão e do outro uma branca de classe média formada e sem saber lidar com o grau de violência que se passa ao seu redor. Infelizmente esse filme também me pareceu desfavorecer os moradores da favela com essa ideia da ilegalidade mostrando uma preferencia pelo “elo mais forte” escancarada.