Crítica | Jojo Rabbit
Uma visão pueril do nazismo
Por Yasmine Evaristo
Colorido e empolgante. Podemos assim definir a aura que envolve “Jojo Rabbit”, comédia de humor ácido do neozeolandes Taika Waititi (“Thor Ragnarok”, 2017). Mas “Jojo Rabbit” não é apenas isso.
O jovem Jojo Betzler (Roman Griffin Davis) vive na Alemanha nazista. Seu melhor amigo – imaginário – é ninguém menos que Hitler (interpretado por Taika). A visão que o garoto tem da ocupação nazista é a de que aquilo é o melhor que poderia acontecer por seu país. Ele defende em sua pequenez a certeza da prosperidade e do amor pela nação e sua população.
Entretanto, um dia sua fidelidade ao regime hitlerista é colocada a prova. O garotinho descobre que sua mãe (Scarlett Johansson) está escondendo no sótão uma jovem judia (Thomasin McKenzie). O menino se vê dividido entre o amor a mãe e o amor a Hitler e começa a observar o que acontece em seu entorno de outra maneira.
A fotografia colorida, semelhante ao cinema de Wes Anderson, são como calçar óculos que nos insere na mente de Jojo. Tudo o que acontece em seu entorno é grandioso e divertido. Os treinamentos de crianças para participarem da guerra, as pessoas enforcadas em praça pública por serem da resistência, a pouca comida em seu prato. Tudo bem centralizado, iluminado, milimetricamente perfeito. As cores vão sendo alteradas a medida que a guerra acontece. O que no início é tomado por uma iluminação quente, aconchegante, rapidamente é convertida para um tom azulado e melancólico no momento que o olhar sob os fatos é alterado.
O Hitler de Taika é possivelmente próximo dos melhores amigos imaginários que as crianças têm. Ele conversa sobre tudo, troca ideias e perspectivas, acompanha e apoia o menino em suas aventuras. Mas ele também é um ídolo – idealizado -, que sempre está certo, que se alimenta do que há de melhor (o banquete dele é uma das coisas mais hilárias) e, assim como seu criador, é imaturo ao ponto de fazer pirraça quando contrariado. Jojo convive cotidianamente com o mito que criou em sua imaginação. E ele está bem longe de ser próximo da realidade.
Também distante da realidade é a maneira que os judeus são “pintados” para as crianças da juventude hitlerista. Eles são descritos como aberrações da natureza, que possuem asas, garras e até mesmo escamas. Praticam absurdos e são capazes de quaisquer tipos de atrocidades. Na mente dessa criança e de seus amiguinhos essas pessoas são monstros reais que precisam ser combatidos, mesmo que eles não saibam como e, às vezes, nem se importam em fazer isso. Um exemplo é a conversa entre o protagonista e seu amigo, Yorki (Archie Yates), na qual ele conta sobre a garota no sótão e o assunto é rapidamente substituído por alguma perspectiva de aventura mais interessante.
Ao assistir “Jojo Rabbit” você consegue ir da gargalhada ao engasgo em minutos. É impossível não sentir seu peito doer e seu estômago embrulhar ao se deparar com uma paisagem, antes intacta, destruída; com uma troca de olhares entre amantes que não podem demonstrar afetos ou com um par de sapatos.
É irônico como o Taika consegue pegar esse monstro e converter em um pastiche pueril. O espectador pode em algum momento se pegar gostando daquela versão do ditador. Como meu amigo, Elton, citou em uma conversa, é quase um conflito ético que o diretor cria dentro da gente. Mas é fatual que só se gosta de Hitler porque estamos vendo a guerra pelo olhar de uma criança. Porque sabemos que aquele Hitler é imaginário, inexistente distante do real e que pode desaparecer em um piscar de olhos.
O filme está concorrendo ao Oscar 2020 em seis categorias, incluindo Filme e Montagem. “Jojo Rabbit” é um filme que não “enrola”, dinâmico, com uma bela trilha e ótimas interpretações. Ele consegue divertir até quem não está muito a par do assunto e, principalmente, ele mostra que a verdade pode ter várias faces.
Ficha Técnica
Jojo Rabbit (2019)
Direção: Taika Waititi
Roteiro: Taika Waititi
Elenco: Roman Griffin Davis, Thomasin McKenzie, Scarlett Johansson, Taika Waititi & Sam Rockwell
Fotografia: Mihai Malaimare Jr.
Trilha Sonora: Michael Giacchino
Montagem: Tom Eagles
Design de Produção: Ra Vincent
Distribuidor brasileiro: Fox Film do Brasil