O vazio que fica com a partida de quem muito se ama há de ser preenchido com memórias e com a esperança de que este um dia retorne. Aos que ficam, a dúvida do que levou este alguém a por o pé na estrada, aos que partem, o silêncio de suas motivações. Os laços criados entre as pessoas marcam, profundamente, uns aos outros . As palavras ditas se transformam em registros de tempos passados e bem vividos e, as não ditas retomam a memória com a necessidade de serem expressas.
O tempo é tátil em suas cores e sons. O que é narrado pelas personagens, da trama filmada e o do espectador se unem e geram um clima aconchegante e saudosista. Até quem nasceu após os anos 50 é inserido naquele instante, tomado por suas asas pronto para voar no sonho-real do rapaz Tony. A experiência sentida é uma tarde de sol amarelo, com cheiro de café fresco, textura de uma brisa da tarde, sentado aos pés de seus familiares que rememoram sua juventude.
As roupas músicas locações estão ali como as palavras de minha mãe – o Rum Creosotado cantado é equivalente aos versos que ela sempre recita pra mim enquanto conversamos sobre sua juventude andando de bonde, aqui em BH. Este filme está cravado em mim, me emocionando com coisas tão simples, do que presenciei pelos olhos dos outros. Ele é como as fotografias na parede, uma ilustração dos anos.
Selton Mello (Meu Nome Não é Johnny) sensibiliza ao contar a história do jovem professor. Logo sabemos que a viagem de Tony (Johnny Massaro) foi uma festa, o bom filho iria se dedicar aos estudos, porém seu retorno é marcado pela ida do pai, Nicolas Terranova (Vincent Cassel) para a França, em busca de aliviar sua saudade da terra natal. Dois anos se passaram e não há notícias dele. Assim, Tony, narra sua história, por meio de suas lembranças e dos fatos presentes, em sua terra natal. Lecionando na escola de sua cidade, ele tenta ajustar sua vida, acalentar a mãe (Ondina Clais Castilho), se apaixonar e saber como o pai está do outro lado do mundo. O texto é um adaptação da novela A Distance Father, de Antonio Skármeta, autor de “O Carteiro e o Poeta”, que faz uma participação no longa como Esteban Coppeta, mesma personagem vivida em “A Dançarina e o Ladrão”, filme argentino de 2009.
Feito para aqueles que sabem sonhar, “O Filme da Minha Vida” é uma daquelas conversas prazerosas que lhe vem a mente a qualquer momento e lhe deixam flutuando (sensação comum ao protagonista). A sensibilidade é tanta após assisti-lo que opto por não falar mais nada, há coisas que devem ser sentidas. Recomendo a todos que dediquem a ver esse filme de coração aberto. Acredito que será impossível não se sentir parte daquele todo em algum momento. Me retiro, cantarolando “se você pensa que meu coração é de papel, não vá pensando pois não é…” e sonhando com os belos olhos de Montgomery Clift.
Artista visual, desenhista, eterna estudante. Feita de mau humor, memes e pelos de gatos, ama zumbis, filmes do Tarantino e bacon. Devota da santíssima Trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch, sempre é corrompida por qualquer filme trash ou do Nicolas Cage.