A Hora da Estrela | Crítica | Versão 4K
“A Hora da Estrela” é um filme de 1985 de sucesso de público e crítica que ganhou inúmeros prêmios nacionais e internacionais. Restaurado minuciosamente e convertido para a qualidade de imagem 4K, retorna ao público e salas de cinema.
A importância de uma restauração como esta é absurda, porque traz luz ao belo trabalho liderado pela diretora Suzana Amaral. Ao mesmo tempo, parece que uma camada de poeira de décadas foi removida de uma foto. Quando se compara o filme de antes e o restaurado, torna-se obrigatório o retorno a ele.
Toda a sensibilidade da personagem principal, Macabéa, que fez tanto sucesso na época, grita ainda mais na tela em seus mínimos detalhes. Que trabalho incrível da atriz Marcélia Cartaxo ! Sua imigrante nordestina que vive em São Paulo é desprovida da malícia individualista dos grandes centros urbanos. Com apenas 19 anos é uma menina frágil física e emocionalmente cuja ingenuidade anuncia que tudo pode dar errado em sua vida. Ou não !
É impossível não ficar sensibilizado com seu olhar triste, seu abandono. Explorada em seu trabalho de datilógrafa, desdenhada pelos homens, sozinha no mundo, Macabéa não tem absolutamente nada e ninguém em sua vida. Mais tarde sabemos ainda que teve uma infancia difícil. Ainda assim, carrega certa doçura e esperança em encontrar um amor, talvez para finalmente ser cuidada. Come todos os dias a mesma coisa, está no limite da miséria. Se tiram seu trabalho, a linha é ultrapassada. É um Brasil que ainda se repete, o da fome, do nordestino extremamente estereotipado e rejeitado pela parte de baixo do país. Em um momento que não se sabe se foi erro ou propósito, ela fala que é do norte e o abismo se abre ainda mais porque nosso país tem por vocação esquecer a região norte.
A questão é que o filme tem quase 40 anos e pode ser a história de tantos dos nossos familiares. Mulheres que desprovidas principalmente de cidadania no sentindo humano da palavra, não sabem que caminho escolher em suas vidas e tampouco possuem qualquer tipo de incentivo para uma mudança real de classe social. E já era possível faze-lo nessa época. Mulheres que incapazes de perceber que o namorado que se apresenta como única e melhor alternativa vai ser o agressor do futuro dependente do álcool e que nao provê dignidade para a familia. É a história de nossas avós, tias, mães, amigas.
Em entrevista, Marcélia Cartaxo contou que o personagem Macabéa foi construido por meio de cartas que recebia da diretora do filme durante meses, com instruções minuciosas. Suzana Amaral pedia para Marcélia estudar como se comportava as pessoas mais simples, e inúmeros outros detalhes. Foi tempo considerável de preparação o que explica o resultado. Depois de Macabéa, Marcélia nunca mais foi a mesma, mas o que eu gostaria ainda mais é que nós todos também fossemos outro, muito melhor. E Macabéa ser quem ela quisesse ser, pudesse ter respondida todas as perguntas que tinha, porque ela era curiosa ! Era perceptível que se recebesse instrução, seu futuro seria muito mais digno e próspero.
A geração atual do digital muito nos ensina com seus questionamentos fortes, mas infelizmente grande parte é incapaz de olhar ao passado, mas não por 15 segundos de rede social ou resumido por Inteligencia Artificial, mas assistindo um filme como esse (longe de celular) e desafiando-se a olhar com empatia e entender o quanto profundo e quão próximo está Macabéa de todos nós !
Avaliação: 10 de 10
A Hora da Estrela
(Brasil, 1985) | 1h36 | Comédia dramática
Relançamento 16 de maio de 2024
Direção e roteiro: Suzana Amaral
Elenco: Marcélia Cartaxo, José Dumont, Tamara Taxman, Fernanda Montenegro, Umberto José Magnani, Denoy de Oliveira
Trilha Sonora: Marcus Vinicius
Produção: Raiz Produções
Distribuição: Transvideo, Vitrine Filmes