A herança familiar de Miguel Bonnefoy
De vez em quando recebo livros dos quais não tenho conhecimento, por meio da Renata Ávila, com o argumento “amiga, achei a sua cara” e, não foi diferente com “Herança”. Entretanto o que foi mais surpreendente nesse livro foi o fato dele permitir que eu compartilhasse a leitura com minha mãe.
A minha herança
Sou filha de professora, por isso aprendi desde cedo a ter a companhia dos livros e revistas. O hábito da leitura, herdado de mamãe, per,anece até a atualidade e temos alguns bons volumes de títulos diversos em casa. Assim, ao receber o volume do livro de Miguel não me surpreendi quando ela me disse “gostei da sinopse, vou ler”. E não foi que ela leu mesmo?
O melhor dessa leitura feita por nós duas é poder conversar sobre aspectos da história do livro. Somos duas mulheres diferentes, com uma diferença de 32 anos de idade e histórias de vida que parte em caminhos bem opostos. Esse olhar múltiplo sobre a literatura prova o quanto é divertido conversar sobre o que se lê.
A herança de Bonnefoy
O romance narra a história da família Lonsonier. Durante um século, em um romance de apenas 190 páginas, a vida dessas pessoas que se deslocam pelos continentes, fixam residência e se movimentam em busca de um lar e de uma identidade é contada.
Assim, entre os anos de 1873 e 1973, somos levados entre a França e o Chile. Como consequência, fatos da história como as duas guerras mundiais fazem parte do cenário e influenciam as escolhas das personagens.
O que mãe achou
Ele prende a atenção do leitor ao pegar toda história da família Lonsonier e os conflitos vividos internamentee externamente. O amor de Lazari por Théresè o faz movimentar e buscar sempre o melhor. Entretanto o constante foco na melhora financeira o afasta da criação da filha. Gosto bastante também da persona revolucionária da garota, sempre ‘dando trabalho’ para mãe que assume sua criação sozinha.
Da mesma forma achei marcante uma passagem no início sobre um furto em Lazari reconhece o menino assaltante como filho de um ex-funcionario. Ciente da agressão que o garoto sofreria pela polícia ele retira a queixa do furto e argumenta com o rapaz “a gente tem que trabalhar para poder comer”. A resposta que o jovem dá para Lazari, “para trabalhar tem que comer”, no dia seguinte marca a relação que se desenvolverá entre patrão e empregado para além do ambiente de trabalho.
Ao ler “Herança” me lembrei a trajetória de Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, pois é livro que também atravessa um século e diversos fatos históricos.
O que eu achei
Bonnefoy domina muito bem a arte de contar histórias, pois em poucas páginas consegue imprimir muitas sensações ao mostrar as dificuldades vividas pelos imigrantes. Além disso ele descreve sensações referentes aos fatos zhistoricos atravessados pelas personagens.
A maneira como ele trata a tristeza do patriarca ao fugir de uma Europa devastada pela guerra, firmando residência no Chile e tendo esperanças no governo de Salvador Allende é tocante. De maneira semelhante, o uso da fantasia em meio à trama adiciona elementos que se deslocam da realidade. Assim, essa forma de narrar situa o romance em um lugar não só histórico como literário da América Latina. O realismo fantástico/mágico que Miguel aplica ecoa a escrita de Gabo, Isabel Allende, Cortazar e Rubião.
“Herança” é um deleite para leitores que buscam livros com poucas páginas e muita potência.