Resenha | A curva do Sonho, de Ursula K. Le Guin
Cuidado com o que deseja, talvez não o queira ver nem em seus sonhos
Em geral, o maior risco que a ficção científica corre é tornar-se datada. Tecnologias apresentadas como um futuro grandioso podem tornar-se obsoletas e tirar boa parte do brilho de uma narrativa. Quem diz isso não sou eu, mas sim Neil Gaiman na introdução de “Neuromancer”, um clássico do scifi que mantém o brilho apesar deste problema. No caso de “A Curva do Sonho”, da autora aclamada Ursula K. Le Guin essa colocação se faz pouco presente, já que seu desafio bebe tanto da ficção científica hardcore quanto da fantasia, para dar vida aos ditames da mente.
Na trama, acompanhamos George Orr, que vive uma vida na média até descobrir que seus sonhos têm o poder de alterar a realidade. Evitando dormir, e tomando remédios controlados para isso, é indicado para o consultório do Dr. William Haber, psiquiatra que logo entende o poder que George possui, e que pretende usá-lo para seus próprios fins. Acontece que, mesmo dentro de um ambiente controlado, será possível controlar os sonhos? Essa é a primeira de muitas dúvidas importantes da narrativa, que logo dá espaço à dilemas morais insolúveis.
Ursula é uma escritora ímpar. Famoso é seu ensaio em que retomando um argumento de Elizabeth Fisher de que a primeira ferramenta humana não foi uma arma, mas uma sacola. Não sei se há aqui algum fundamento paleoantropológico, mas é uma ideia interessante a ser perseguida como um ideal por escritores. Não é a ação de escrever um ato de seleção de ideias? Não é o livro também uma sacola que as carregam?
Me parece nítido na trama que temo um conflito entre a natureza agressiva do masculino, representado por um personagem ativo e atuante, e um outro que teme o mundo, sendo diminuído por ele, e que não tem a intenção de mudá-lo; mas que descobre que aceitar-se como parte do mundo é o caminho natural.
Na hipótese da sacola, Ursula nos permite substituir o héroi que luta e mata por aquele que aceita e acolhe. A sacola afinal é uma forma do cálice, famoso símbolo do sagrado feminino. Bom perceber que, apesar de não estar nas graças do grande público e restrita ao nicho do Scifi, Ursula é influente. A citação a Neil Gaiman no início não foi gratuita, há neste livro muito do que depois o autor faria em “Sandman”. Mas sinto que, com sutileza, Ursula faz um mergulho mais profundo.
E com isso, restam os sonhos. Freud dizia que todo sonho é a realização de um desejo. Já para Jung, os sonhos são uma forma de comunicação com nosso inconsciente. Na literatura, ainda são ambientes de mistério e temor. Compreensível, no sonho estamos completamente vulneráveis e ao mesmo tempo, absolutamente seguros. Isso não parece terrível?
A curva do sonho
Título original: The Lathe of Heaven
Autora: Ursula K. Le Guin
Ano: 1971
Tradução: Heci Regina, 2019
Morro Branco Editora
Esse livro está em minha lista de leitura, sonhos que mudam realidades é uma temática com muito a explorar, fico sempre viajando nas bases da autora para escrever, as referências e por aí vai, infelizmente, ainda não li porque quero o físico e com uma tradução que me agrade.
Aaah amei essa capa. Não li nada da autora ainda mas queria começar justamente por essa obra. Adoro coisas relacionadas a sonhos e afins. Bem, eu concordo mais com Jung do que Freud rs
Eu li neuromancer mas não gostei da leitura. Apesar de amar Matrix, vai entender rs
Küss 😘
Eu estou com esse livro aqui e está na minha lista de leitura. Eu li um conto da Ursula – o disponibilizado pela editora -, e me encantei. Já queria lê-la há um tempo. Se eu não me engano, ela tem livros publicados pela Aleph (daí estava esperando uma promoção, algo) e não é que veio essa?
Adoro a filosofia dos sonhos e as múltiplas interpretações psicanalíticas. Também gostei de como você pontuou o feminino e o masculino. Muito bom!
Eita, esse realmente é um livro que acho que não conseguiria.ler, apesar da história ser bem interessante e parecer instigante. Além de ficção científica ser um gênero que não sou fã, mistério e temor são duas coisas que juntas, não me animam a ler por ser uma medrosa hahahhaa. Parabéns pela resenha!
Nossa gostei dessa temática. Já quero ler esse livro até porque ultimamente tenho conseguido controlar alguns sonhos, então isso muito me interessa.
Ah, eu gostei muito do tema desse livro. Obviamente, conheço a autora e como seu trabalho é impactante e importante. Acho demais essa união sci-fi + fantasia. Porém, eu ainda não li essa obra, infelizmente. Tendendo desde 2007 para o lado comportamental da “força”, eu nunca fui muito adepta das teorias psicanalíticas. Embora goste muito de estudar essa abordagem. Sonhos são algo muito enigmáticos para mim. Dizem que todos sonham. A psicanálise diz que o sentido do sonho, quem dá é o sonhador… E eu me pego em uma vida onde pouco me lembro de ter sonhado. Estranho isso!
Gostei muito da ideia dessa obra e pretendo lê-la. Não sei quando poderei adquirir. Mas, está anotada a dica!!! Abraços
Sim, parece muito terrível! Deve ser por isso que os pesadelos nos assustam. Haha
Ainda não li nada da Úrsula que não seja infantil (Gatos Alados) e esse me pareceu bem interessante. Gostei de saber que é uma referência para Neil Gaiman (apesar de não ter lido Sandman) e fiquei curioso para saber lendo como são os sonhos do George. Parece uma boa leitura!
Muito interessante esse ponto de vista que o Neil Gaiman pontua sobre a narração de ficção científica na introdução de “Neuromance”. Acredito que devemos mesmo tomar cuidado com o que desejamos. É intrigante ao meu ver como Ursula faz um mergulho mais profundo sobre tudo isso e o assunto abordado. Ainda não tive a oportunidade de ler algo assim. Mas já fica a super indicação.
Oie, tudo bem? Que interessante esse ponto de vista. O mais legal de conhecermos diversos autores é justamente avaliar como cada um deles pensa e como explicam alguns temas. Eu acredito que sonho é demonstração do nosso inconsciente. Um abraço, Érika =^.^=
“Cuidado com o que deseja, talvez não o queira ver nem em seus sonhos“
Somente essa frase já nos deixa em certo pânico e nos faz questionar o que queremos, com certeza é uma dica de leitura excelente que eu pretendo ler muito em breve, arrasou na resenha. Gostei muito! <3