A Cidade é uma só? | Crítica
Muitos brasileiros, deslocados no espaço e no tempo, desconhecem o que significa “CEI” no contexto da construção de Brasília. Por isso, o documentário de Adirley Queirós, “A Cidade é uma só?”, faz tanta questão de explicar.
O título, que vai de encontro e questiona um jingle divulgada no início dos anos 70 em Brasília. Buscando promover o despejo de centenas de familias pobres para uma cidade satélite, tende a ficar em nossa memória. “CEI”, ou a Campanha de Erradicação de invasões, acabou por fim dando nome à Ceilândia, para onde foram transferidos moradores das favelas da Vila do IAPI, Vila Tenório, Vila Esperança, Vila Bernardo Sayão e Morro do Querosene. Alguns deles ainda sonham em receber uma indenização pelo deslocamento da década de 70.
Parte ficção, mas sempre documental
O filme, que abre com uma cena construída para evocar o loteamento do plano piloto de Brasilia, não para de fazer graça com o fato de que a cidade responsável por governar o país não consegue ver sequer seus arredores.
A produção divide seu tempo de tela entre entrevistas e cortes de documentos da época com personagens que vivem de comprar e vender lotes e outros que sonham em mudar para Brasília. No entanto, o destaque fica com Dildu, um político independente que se candidata a deputado distrital, contando com um ex-rapper como marqueteiro. “Pensei em fazer algo tranquilo, legal e gangster”, diz em dado momento, definindo perfeitamente a produção.
Tratando-se das personages reais resgatadas pelo documentário, quem tem mais destaque é Nancy Araújo. Moradora das “invasões”, ela estudava em uma escola pública onde todas as crianças eram obrigadas a cantar juntas e uniformizadas. Selecionada pelos políticos da época, que lembre, já tratamos aqui do Regime Militar, se reuniu a outras crianças para cantar: “você que tem um bom lugar para morar, me dê a mão, a cidade é uma só.”
Assim, queriam usar as crianças propaganda pelo governo, que escondia o duro processo de exclusão social pelo qual o Distrito Federal passava. Certamente, ainda passa.
O filme já premiado em 2012, mostra essa realidade e suas consequências. Parte da equipe vem da própria Ceilândia, onde já tinha rodado curtas-metragens. Queirós, nascido em Minas, mora lá desde a década de 70. O ator de Dildo, Dilmar Durães, também é da região. Na época do filme, trabalhava como faxineiro em uma faculdade de cinema dentro do plano piloto. Então, volte ao título do filme.
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