O Cavaleiro Verde | Crítica
Quando o filme “O Cavaleiro Verde” foi anunciado, boa parte dos cinéfilos de encheu de expectativa. Isso por que, o filme anterior de David Lowery, “A Ghost Story”, mexeu muito com os ânimos da comunidade. Longe de mim reduzir os valores de um bom cinema de massa, mas ficou nítido que Lowery partia para um outro cinema, este autoral e repleto de camadas.
Podemos dizer o mesmo, é verdade, de toda a leva de filmes da produtora A24, quem se consolidou nos últimos anos como um expoente nesse tipo de cinema. Da mesma forma que seu antecessor, “O Cavaleiro Verde” é repleto de camadas. Primeiro, é uma adaptação de um poema clássico do ciclo arthuriano, ressignificado nos seus termos para tratar da masculinidade através de uma perspectiva moderna.
Em seguida, usa muito bem a cinematografia para transmitir mensagens através de quadros, sons e da fotografia – as cores, em especial a oposição entre verde a amarelo, indicando a juventude e a sabedoria da finitude.
Embora se concentre na idade média, há um certo clima de apocalipse tragicômico. Na trama, Gawain (Dev Patel) é o teimoso e imprudente sobrinho do Rei Arthur, que aceita o desafio de acabar com o infame Cavaleiro Verde, ser mágico misterioso. Enfrentando fantasmas, gigantes, ladrões e trapaceiros no caminho, Gawain embarca na jornada da sua vida que definirá seu caráter e lhe dará a chance de provar que é merecedor aos olhos de sua família e de seu reino.
Pelas liberdades que toma, não se pode dizer que “O cavaleiro Verde” é uma adaptação fiel do poema que o gerou, mas uma releitura importante. Mergulhando ainda mais nas camadas, vemos como a relação com as cabeças cortadas, tão marcante na cultura antiga celta, é ressignificada aos olhos da moral cristã atual e do seu indissociável culto à razão.
No filme, ao contrário do poema, Gawain tem um interesse amoroso chamado Essel, uma jovem (interpretada por Alicia Vikander) que é prostituta e sonha em passar a vida com ele. O tio e a tia de Gawain, o Rei Arthur (Sean Harris) e a Rainha Guinevere (Kate Dickie) estão envelhecendo e desejam ver seu sobrinho – que, no filme, herdará o trono – ganhar nobreza e estatura.
Outra diferença, que muda por completo o fim da trama, é o foco na viagem de Gawain e nas várias vezes em que ele é testado a desistir ou pegar atalhos. Como é comum ao cinema autoral contemporâneo, é num desses atalhos que o filme diz claramente o que quer dizer, quando o personagem de Patel cede aos desejos com uma senhora e, pela falta de controle sexual recebe a reprimenda: “Você ainda não é um cavaleiro.”
Para muitos, o “verde” que acompanha o título do filme expressa mais o viagante que o objetivo, retratando como Gawain é imaturo. Se o for, já considero uma explicação além da conta. O filme é plenamente capaz sem esses trocadilhos. Já o mistério da última fala permanece, e vai te fazer pensar neste filme por algumas boas horas depois que a tela se apagar.
O cavaleiro Verde (The Green Knight)
EUA – 2021
130 minutos
Direção de David Lowery
Elenco: Dev Patel, Alicia Vikander, Ralph Ineson,
Joel Edgerton, Erin Kellyman