Resenha | A Mãe, a Filha e o Espírito da Santa de PJ Pereira

30 de janeiro de 2020 Colunista Convidado

Por Rafael Assis

Amor, morte e misticismo numa jornada pelo coração da fé do povo brasileiro.

No eterno mercado de nicho da literatura de fantasia nacional, “A Mãe, a Filha e o Espírito da Santa” surge como um recado autêntico de que é possível criar tramas interessantes e repletas da cor local sem perder o brilho da trama e conseguir competir com os produtos enlatados que desaguam no mercado – sejam estes americanos ou pastiches deles. O autor PJ Pereira, publicitário carioca que vive há alguns anos nos Estados Unidos, ganhou destaque nacional ao entrar para lista dos mais vendidos com sua série Deuses de Dois Mundos, numa trama que incluía mistério e drama enquanto apresentava personagens baseados em Orixás.

Em “A Mãe, a Filha e o Espírito da Santa”, se apresenta uma trama de fé e manipulação, onde as várias faces da religiosidade brasileira se misturam ao fanatismo, política e abuso religioso. No meio de tudo isso acompanhamos Pilar, uma menina que cresce e se torna mulher envolta na anunciação de que seria a nova Messias, a irmã mais nova de Cristo.

Descobrimos como esta menina abala a pequena cidade maranhense de Codó, seu caminho até Brasília durante a ditadura militar e sua fuga para São Paulo, para onde parte para se tornar a líder espiritual mais poderosa do país. O caminho religioso de Pilar, que envolve tradições indígenas, se marca pela força das religiões afro brasileiras e coloca um pé no sincretismo das igrejas neopentecostais evangélicas – que jamais se
envergonharam de se valer da mística simbologia carregada pelo povo – nos faz questionar o tempo todo se o que estamos lendo trata de uma farsa elaborada ou uma realidade fantástica. Aqui se guarda a força do texto, na natureza ambígua que carrega na forma e nos personagens. Todos sempre dispostos a dar um salto de fé e lucrar bastante com ele.

Entender essa natureza da religiosidade brasileira é um acerto no alvo e surge como um alívio. Mais do que isso, quase como um farol. Mostrando os caminhos que a literatura fantástica brasileira pode trilhar. Com sua narrativa bastante visual, PJ Pereira pode apostar numa adaptação para a TV ou cinema e romper com os padrões de realismo imposto nas nossas narrativas mais famosas, abraçando de vez o fantástico que trazemos quando começamos a acreditar. Está tudo lá. A violência do nosso país, a diferença de classes, a jornada de uma família do interior para a cidade e mudança que isso tudo gera. Em momentos de perseguição política, isso também está lá, embora não como foco narrativo. Há também inclusão, pois no mundo fantástico aqui apresentado, as minorias não apenas existem, tampouco servem como adorno narrativo, mas possuem humanidade. Até os anjos sentem dor.

Este é o brilho da trama, todas a idiossincrasias e a beleza destas como manifestações da alma humana surgem como o horizonte para o qual a alma de Pilar sempre esteve destinada a seguir. Afinal um horizonte é o símbolo final da alma humana. Nem sempre bonito, mas sim esplêndido. Que nos lembremos disso.