Mudbound – Lágrimas sobre o Mississippi
Mudbound – Lágrimas sobre o Mississippi (Mudbound, 2017)
Direção: Dee Rees
Roteiro: Greta Gerwing
Elenco: Garret Hedlund, Jason Mitchell, Carey Mulligan, Jason Clarke, Mary J. Blige, Rob Morgan, Jonathan Banks
Fotografia: Rachel Marrison
Trilha Sonora: Tamar-Kali Brown
Distribuidora: Diamond Filmes
Precisamos falar sobre esse filme. Poucas vezes um filme dói tanto. Quando assisti “A Cor Púrpura” (1985) o sofrimento da personagem de Whoopi Goldberg me marcou por um bom tempo. Mas “Mudbound – Lágrimas sobre o Mississippi” meus caros, consegue um feito maior: todos os personagens te estraçalham as emoções. São duas famílias separadas pela “raça” e dinheiro, mas semelhantes nas dores que cada realidade pessoal proporciona. Reféns dos muros da sociedade. Iguais sem saber.
No inicio temos o funeral de um ‘branco’ importante. Tudo é simples e rudimentar. Sozinhos, dois irmãos tratam com dificuldade do caixão e ao solicitar ajuda ao negro que está passando com sua família percebemos o princípio do conflito sem entender o porquê. Temos apenas essa informação. Uma morte, um funeral, dois irmãos, uma mulher com crianças e o negro passando com a família.
O clima de filme de faroeste não prevalece. Os irmãos, o negro e ambas esposas (espetaculares interpretações) começam a explicar em narração seus pontos de vista pessoais, revelando detalhes que vão acontecer, justificando suas escolhas e comportamentos, o suficiente para não entregar tudo. Isso faz com que nós que assistimos, façamos reflexão maior daquela situação toda em que os afroamericanos são tratados como animais, as mulheres submetidas a inquestionável submissão e os soldados de guerra temendo mais por suas vidas fora do campo de batalha.
O fato de sabermos o que vai acontecer deixa 90% da responsabilidade nas atuações. E eles dão show. A mãe não se despede do filho que vai para guerra com um simples lencinho branco de choro. Não! Apesar do orgulho da patente do filho ela domina a cena, mesmo que não percebemos seus olhos atrás dos óculos que escondem a certeza das dificuldades que o jovem sofrerá por ser negro.
Nesse tipo de vida onde a brutalidade e a violência humana são as leis, é comum as mulheres representarem o traço de compaixão, generosidade e amor ao próximo. Porém Mudbound não está interessado em seguir isso. O filme mostra a humanidade nos jovens, os resquícios de sensibilidade em alguns patriarcas, mas tudo muito sufocado pela tradição equivocada. Uma tradição que decidiu inferiorizar o homem de acordo com sua cor de pele. A tradição que tem medo do poder da mulher em construir ao lado do homem (ou sem ele) uma sociedade primorosa e sensível.
Todos esses equívocos da tradição são desconstruídos no filme através do sofrimento. O homem insiste em escolhas que voltam contra si. Aquele negro subjugado, explorado por séculos tomará seu lugar de igualdade contra o branco pretensioso. A mulher vai “falar grosso” com seu marido e impor o respeito que deve pautar o matrimônio. O sofrimento é o trator que passa por cima de todas as pessoas de Mudbound. Ninguém escapa. E isso não é gratuito, não foi colocado para conquistar nossos corações. Percebi isso nos primeiros segundos de crédito quando as primeiras palavras da música tema são:
“A vida é professora, o tempo é curandeiro […]
Ego é um assassino, a ganância é um monstro
Mas o amor é mais forte, mais forte que todos eles […]
O amor é a resposta, o ódio é um câncer”
O sofrimento iguala o que o homem diferencia. Pobre, rico, branco, amarelo, negro, estrangeiro, diferente, esquisito, gay, religioso, todos, quando misturados no mesmo liquidificador e triturados pelas lâminas da própria condição humana o resultado não faz a menor diferença e o tempo leva tudo. Talvez a única coisa que ri do tempo são as pirâmides do Egito. Mesmo assim, o tempo está aí soprando em suas pedras.
Mudbound é uma produção da Netflix para o cinema. S a l a d e c i n e m a !! Audacioso, brinca com o gênero faroeste, apresenta roteiro desestruturado que nos bombardeia com diferentes informações que vão construindo resultado trágico e otimista. Este filme não está preocupado em simplesmente mostrar e impactar a infeliz realidade racista. Não espere uma mensagem final do tipo encontrada na música tema, indicada ao Oscar de melhor canção. O argumento e a mensagem do filme são fornecidos no decorrer da história, onde todos somos iguais por mais esforços que o homem faça para construir diferenças. No fim de tudo o esqueleto do branco divide a mesma terra que a do negro. E cor do liquido que corre os corpos é única, vermelha.
Nota: 4,7/5
Trailer Oficial:
Mighty River, indicada ao Oscar de Melhor Canção:
Meu Deus que filme é esse gente!!! fiquei arrepiada com a resenha arrepiada com o trailer, que história impactante e com o final que mostra exatamente o que é: somos todos iguais morremos sendo iguais e indo para o mesmo lugar.
São trabalhos como esse que nos tiram de uma bolha do qual não temos a devida noção de sua dimensão. As questões raciais, especialmente a americana, estão tão enraizados que os “esqueletos nos armários ” quase não são vistos.
Além de tratar a questão racial vejo também a mostra de quanto a mulher foi subjugada a um papel inferior do qual ainda lutamos para nos libertar. Isso é história, é realidade, a nossa realidade (brasileira).