Resenha: Sergio Y. vai à América, de Alexandre Vidal Porto
Título: Sergio Y. vai à América
Autor: Alexandre Vidal Porto
Páginas: 184
Ano de publicação: 2014
Editora: Companhia das Letras
Avaliação: 4/5
Onde comprar: Livraria Cultura ou direto na editora.
Narrado por um experiente e sofisticado psiquiatra, Sergio Y. vai à América coloca diante do leitor duas questões fortes do nosso tempo: o poder do testemunho (e o que ele pode esconder em sua aparente carga de veracidade) e o deslocamento. No caso, sexual.
O jovem Sergio Y., bem-nascido e aparentemente sem grandes dramas na sua ainda curta existência – embora se considere infeliz -, é um “paciente interessante”, como diz o narrador. Frequenta o consultório regularmente, rememora aspectos da sua formação familiar, mas um dia desaparece para sempre, abandonando o tratamento. A esse mistério se acrescenta outro, acachapante, que tira a aparente serenidade do psiquiatra e o faz incursionar em uma busca que tem tanto de detetivesca quanto de psicanalítica.
Com elegância e precisão, Alexandre Vidal Porto constrói um romance que é, a um só tempo, uma investigação sobre os caminhos da sexualidade e uma intensa reflexão sobre aquilo que falamos ou deixamos de falar. A memória, a construção da identidade e os papéis que desempenhamos ao longo de nossas vidas aparecem aqui com delicadeza e enorme poder de síntese.
Enquanto tantos livros inúteis de autoajuda profetizam a busca da felicidade como objetivo maior da existência e temos até um artigo na Constituição que garante esse direito, em poucas páginas Alexandre Vidal Porto consegue contar uma história comovente e humana, que vai muito além de receitas genéricas.
Contado a partir do ponto de vista do renomado psiquiatra Dr. Armando, através de anotações, diários, cartas e correspondências. Uma amiga de faculdade, agora diretora de escola, recomenda o adolescente Sergio Y. (Y de Yacoubian) de 17 anos que é um “caso interessante”. Gozando de boa saúde, criado em uma família de classe alta em São Paulo Sergio não tem motivos para ser infeliz, mas não consegue afastar um sentimento de melancolia.
Sergio conta casos de sua vida e principalmente a genealogia de sua família, imigrantes armênios no início do século XX. O caso logo atrai o psiquiatra que já passa dos 60 anos, sempre sedento por casos interessantes. Armando recomenda alguns passeios interessantes quando Sergio vai visitar Nova York com a família nas férias. Ao voltar, ele presenteia o doutor com um livro de Fernando Pessoa e o simbólico quadro barato da foto de um navio de imigrantes. E informa que não fará mais terapia. Desapontado, Armando se lembra com frequência desse paciente em especial por muitos anos, até encontrar por acaso Teresa, mãe de Sergio. É informado que o rapaz foi viver em Nova York, está feliz e prestes a abrir um restaurante. Surpreso e grato por ter ajudado um jovem com problemas, Armando fica aliviado pelo resultado positivo. Meses depois enquanto lê as notícias Armando se choca ao descobrir que destino teve seu paciente mais marcante, e mais incrível ainda é o segredo que Sergio escondeu durante tantas sessões.
A partir de então a jornada obsessiva do psiquiatra para retraçar o caminho de seu paciente o leva pelos meandros da personalidade oculta do rapaz, passando pelo cerne dos próprios defeitos e imperfeições. Armando busca freneticamente uma resposta para aliviar a consciência e, sobretudo, pela curiosidade profissional.
Escrito com esmero, uma narrativa limpa e sem exageros, “Segio Y. vai à América” conta uma história incrível com poucas páginas, imerge o leitor nos dilemas e divagações do médico obsessivo. Com diversos simbolismos sutis e bem colocados, a fácil compreensão do texto em uma narrativa ampla deixa boas lições de vida sem impor uma moral retórica.
A aparente falta de padrão para traduções é um pouco estranha nos muitos trechos em que o personagem se comunica em inglês. O original em inglês pode ficar no rodapé, ou pode ficar em inglês no meio do texto e a tradução no rodapé. Algumas citações não tem tradução, outras têm. Eu preferiria que um padrão tivesse sido adotado em toda obra, mas essa arbitrariedade não chega a atrapalhar.
A edição da Companhia das Letras é excelente, com capa de melhor qualidade do que a maioria das outras publicações. A proteção plástica com textura certamente aumenta a durabilidade do exemplar. As folhas amareladas são mais grossas, as letras grandes, com bom espaçamento tornam possível ler o livro inteiro no mesmo dia.
Mesmo sendo uma leitura fácil a temática é polêmica, abordada de maneira muito natural e sem preconceitos. Recomendado a todos que estão dispostos a enfrentar dilemas sob novas perspectivas e acreditam que a felicidade é algo tão pessoal que não deve ser imposta, mas encontrada.