Resenhas

Resenha: A hora dos ruminantes, por José J. Veiga

13764_ggNome do livro: A hora dos ruminantes
Autor(a): José J. Veiga
Editora: Companhia das letras
ISBN: 9788535925371
Páginas: 152
Ano: 2015
Nota: 4/5
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Quando José J. Veiga estreou na literatura, já era um homem maduro. Aos 44 anos, lançou em 1959 Os cavalinhos de Platiplanto, um livro de contos de pouco mais de 150 páginas e tão contundente que os críticos não sabiam muito bem como classificá-lo. Alguns diziam tratar-se de literatura fantástica, outros faziam ressalvas. O fato é que na surdina e passando quase despercebido, José J. Veiga foi atraindo a atenção de autores e críticos atentos à literatura brasileira, como Antonio Candido, Silviano Santiago e José Castello.
Considerado o romance mais importante do autor, A hora dos ruminantes conta a história da pequena cidade de Manarairema, que vê a sua rotina alterada por acontecimentos inexplicáveis. Primeiro uma legião de homens, de procedência desconhecida, decide acampar na cidade. Os moradores, temendo represálias e com medo dos visitantes misteriosos, passam a especular sobre a intenção do grupo.
Depois, a cidade é tomada por cães, que chegam às dúzias no vilarejo, causando uma inversão de papéis: enquanto os moradores ficam acuados em suas casas, os animais passeiam livremente pela cidade. E, por último, a chegada de centenas de bois completa o quadro alegórico do romance.
José J. Veiga possui uma qualidade que inúmeros autores gostariam de ter, pois é capaz de agradar tipos muito diferentes de leitores, de jovens estudantes a leitores maduros, de admiradores da prosa fantástica aos fãs da narrativa realista. Com a reedição da obra completa do autor pela Companhia das Letras, com prefaciadores convidados, fotos do autor e sugestões de leitura, José J. Veiga finalmente é resgatado para cravar a sua marca no grupo seleto de autores da melhor tradição literária

 

Pela sinopse, pensei que o livro se assemelharia as narrativas de outro autor que gosto muito, Louis de Bernières, que criou uma cidade fictícia da América Latina que é infestada por várias pragas, entre elas uma de esquecimento, seguida de gafanhotos, névoa, poeira, soluços e, por fim, gatos domésticos que crescem até se tornarem jaguares negros (?). Nas primeiras páginas de A hora dos ruminantes já associei o estilo da narrativa com outro autor brasileiro, Josué Guimarães, mas José Veiga mostrou características muito próprias que o separam de qualquer comparação.

Com o grande prefácio de Antônio Arnoni Prado essa resenha parecerá insossa e vale a leitura atenta para compreender melhor a amplitude e o alcance dos escritos de José Veiga. Quase metade do prefácio analisa cenas específicas do texto, preferi ler a partir da página 15 depois de terminar o livro e recomendo o mesmo. Esse trecho muito bem escrito faz sentido após a leitura:

“…o que impressiona nos relatos de A hora dos ruminantes é que a ordem primitiva correspondente a uma desordem igualmente primitiva que, apesar de enigmática e misteriosa, não se ajusta aos padrões de cultura em que se codificam os modelos clássicos do mágico e do fantástico propriamente dito. É que nesses relatos a poesia do cotidiano parece fundir natureza e humanismo numa rotina singular em que os prenúncios do estranho como que brotam da própria terra a um passo da experiência dos homens, convertendo a narrativa numa espécie de mágico sobressalto que desagrega o conjunto inteiro, mudando a tensão em comédia, o susto em trapalhada e o pavor em bizarrice.” (pág. 13)

A prosa realista torna mais fortes as parábolas evocadas pelos eventos inexplicáveis. As maneiras rudes e os hábitos arreigados de cidade pequena são comuns a qualquer leitor, o livro remete a uma época onde a honra de uma pessoa tinha o peso da sua palavra. Isso gera uma ambiguidade de comportamento quando os personagens devem manter um teatro aberto, onde sua reputação está em jogo com o que quer que digam, onde a “máscara” de normalidade deve ser mantida a qualquer custo, mesmo quando a curiosidade supera a discrição. O resultado é cômico e estranhamente familiar.

“As pessoas ficaram sem saber o que pensar nem o que fazer, com medo de se descontraírem antes da hora e terem de repor a máscara às pressas.” (pág. 64)

Seria estranho tentar caracterizar “A hora dos ruminantes” como literatura regionalista, já que é impossível precisar uma única região onde o texto se adequasse. A escrita genérica, sem entonações regionais, torna a paródia universal sem perder o toque interiorano que dá coesão ao livro.

Admito que mesmo tendo gostado muito da narrativa tive dificuldade em entender completamente o sentido subjacente do livro. É preciso pensar bastante no que foi lido, uma leitura superficial deixará qualquer um desesperado e perdido. Mesmo com poucas páginas, o número de personagens é significativo e todos fazem parte de uma sincronia perfeita que move a pequena Manarairema. Não há um personagem principal, é como se toda a cidade se movesse como as engrenagens do relógio que pára de funcionar durante a invasão dos bovinos.

A edição que a Companhia da Letras lança agora é de excelente qualidade, com capa dura, folhas grossas, fonte grande e bem espaçada, um exemplar de luxo. O livro começa com o prefácio de Antônio Arnoni Prado (Doutor em letras pela USP e pós-doutorado) e termina com várias páginas de sugestões de leitura complementar, não falta nada ao leitor que quiser pesquisar mais a fundo as implicações da obra.

“A hora dos ruminantes” já foi tema de teses acadêmicas e a Companhia das Letras recomenda vários livros de crítica literária que analisam o texto, mas agora é a vez do leitor ter uma edição recente para tirar as próprias conclusões.

Jairo Canova

Jairo Canova é Administrador e gosta de livros mais do que imagina.

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