Resenha: 12 anos de escravidão, por Solomon Northup
Nome do Livro: 12 anos de escravidão
Nome Original: 12 years a slave
Autor(a): Solomon Northup
Tradução: Drago
Editora: Seoman
Páginas: 232
Ano: 2014
Avaliação: 4/5
12 Anos de Escravidão é um livro de memórias angustiantes sobre um dos períodos mais sombrios da história norte-americana. Ele relata como Solomon Northup, nascido um homem livre em Nova York, foi atraído para Washington, D.C., em 1841, com a promessa de um emprego, e então drogado, espancado e vendido como escravo. Ele passou os doze anos seguintes de sua vida em cativeiro, trabalhando, na maior parte do tempo, em uma plantação de algodão em Louisiana. Após seu resgate, Northup escreveu este registro excepcionalmente vívido e detalhado da vida escrava. Tornou-se um sucesso imediato e, hoje, é reconhecido por sua visão incomum e eloquência, como um dos poucos retratos realmente fiéis da escravidão americana, redigido por alguémtão culto quanto Solomon Northup — uma pessoa que viveu sua vida sob a óptica de uma dupla perspectiva: ter sido tanto um homem livre como um escravo.
Por Jairo Canova
A fascinante história de Soloman Northup é um dos poucos relatos sobre a escravidão escrito por uma pessoa esclarecida e não só pela observação, também na condição de vítima. Sequestrado no ano de 1841 durante uma viagem a Washington D.C. (inacreditavelmente na época a capital do país ficava em um estado escravagista), espancado até aceitar um novo nome, Platt – o que futuramente dificultaria que seus amigos o encontrassem – e enviado ao estado da Louisiana, no sul.
Considerou-se afortunado ao ser comprado por um homem benevolente, William Ford, para quem serviu durante dois anos até que este passa por dificuldades após assumir dívidas do irmão e vende diversos de seus escravos. Solomon então é entregue ao carpinteiro John M. Tibeats, com quem já havia entrado em conflito. Tibeats não tinha condições de pagar o preço integral que Solomon valia, entregando então uma promissória da diferença do valor ao Sr. Ford, fato que em breve salvaria a vida de Solomon. Meses de contínua aflição se passam até ele ser novamente vendido a Edwin Epps, para quem trabalharia nos dez anos seguintes.
A narrativa é direta e com eventuais imprecações, conforme Solomon amaldiçoa seus algozes. A cronologia se torna confusa, conforme eventos que ocorreram diversas vezes são narrados como se fossem um, com citações de algumas anedotas. Tendo sido escrito no mesmo ano de 1853 em que foi libertado parecem ser confusos os sentimentos de Solomon, arrependido da sua função de supervisor do trabalho dos outros escravos, quando era obrigado a distribuir disciplina e chibatadas. Ele se defende dizendo que tinha a incrível habilidade de fazer o chicote estalar a poucos centímetros das costas dos escravos, que então gritavam adequadamente. Tendo conhecido homens bons, alguns ele tenta inocentar dos crimes cometidos pela ignorância de sua situação de homem livre. Já seu cruel patrão, Sr. Epps, é frequentemente condenado aos piores martírios do inferno, tendo submetido os escravos a seus caprichos mais absurdos.
Muitos de seus atos e culpas ficam implícitos, provavelmente o autor levou em conta que sua família leria o relato e decidiu ocultar episódios que o desqualificariam. Isso é apenas conjectura de minha parte, mas outras resenhas do site goodreads sugerem o mesmo.
A grande descoberta que fiz durante a leitura foi que, diferente do que acreditava, os escravos tinham alguns direitos civis em teoria. Na prática, claro, eles não eram respeitados, já que um negro não tinha o direito de ser testemunha. Por exemplo, não poderiam ser mortos por seus senhores sem julgamento ou testemunhas do crime. Morte causada em conseqüência dos ferimentos de um castigo “justo” não se caracterizava crime, então afinal minha descoberta foi apenas que os escravos tinham direitos, mas nada que os garantisse.
A linguagem usada na tradução é formal, assim como no original, mas tem o mérito de não ser excessivamente coloquial, o que dificultaria a leitura. O vocabulário é muito rico e diversificado, digno da pessoa esclarecida que Solomon conseguiu esconder que era. A partir da página 180 começam a aparecer notas de rodapé abundantes, explicando detalhes da tradução, referências e curiosidades. Considerando as inúmeras oportunidades de colocar notas semelhantes nas 179 páginas anteriores, não há motivo aparente para só começarem naquele ponto. Fora isso, a revisão é excelente e não apresenta nenhum erro, as páginas em tom amarelado da edição são minhas preferidas para leitura.
A leitura é um pouco pesada, principalmente pelas descrições cruas e diretas de tortura, mas tem grande valor histórico e foi amplamente discutida na época da publicação. O movimento abolicionista liderado por George Washington também utilizou a obra como referência, resultando na Guerra Civil americana a partir de 1861, com milhões de mortos (75o mil soldados) e a eventual abolição da escravatura. Um episódio sem igual na história americana recente, aqui é narrado na sua forma mais cruel por uma das poucas vítimas que teve condições de contá-la.
O filme baseado nessa obra recebeu nove indicações ao Oscar de 2014, inclusive de melhor filme. Poucas mudanças relevantes foram feitas em relação ao texto, o geral da história é bem conhecido, então não há problema em ver o longa antes ou depois da leitura