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Salamandra | Crítica

O filme “Salamandra” é baseado no livro de Jean-Christophe Rufin, respeitado autor francês, humanista e defensor da interação entre os povos sem as barreiras das fronteiras que existem. Só isso explica em total o filme de Alex Carvalho que teve a difícil missão de colocar em imagem e som a relação pré julgada ao fracasso entre uma francesa e um jovem nordestino. Etarismo, xenofobia, racismo circulam essa relação mas o cineasta relatou em entrevista com Marcio Sallem que teve como inspiração para contar essa história, os filmes da incrível cineasta francesa Claire Denis, também experiente no mesmíssimo tema de culturas que se chocam.

É interessante entender esse antecedente para não correr o risco de julgar a forma que a história foi contada e os detalhes que foram ocultados de nós. O filme começa com Catherine curtindo uma praia e sendo abordada por Gil. Ela não fala português e ele não fala francês. Obviamente que o jeitinho brasileiro e o interesse mútuo que nasce de ambos ali é o suficiente para que a interação se desenvolvesse para outro e outro encontro, onde a linguagem corporal, os olhares e o desejo crescente fosse a ferramenta de comunicação suficiente para os dois.

Mas aí vem as fronteiras, temidas por Rufin, questionadas por Denis. Literatura e cinema a partir de um mesmo ponto de vista de dois franceses humanistas com vivências próprias nesse assunto. Rufin além de escritor foi diplomata e Claire Denis viveu sua infância em diversas colônias francesas na Africa e foi testemunha de momentos cruciais (e cruéis) da colonização naquele continente. Por isso soa bastante interessante que o cineasta brasileiro Alex Carvalho não só conte essa história mas a faça a partir de declarada inspiração em Claire Denis. E foi acertado.

Quase que ultrapassamos a barreira de expectadores para viventes da vida dessas duas criaturas, onde o desejo de estarem juntos não garante absolutamente nada. O que vai decidir suas vidas é o entorno, são as opiniões, os interesses alheios, e claro a ganância pessoal quando envolve dinheiro na situação. Ao mesmo tempo que se anuncia a encrenca naquela relação, o modo como os dois vivem essa paixão nos leva a crer que tudo pode ser resolvido. Se tudo der errado existe lá no fundo um interesse mútuo para que dê certo. Mas até que ponto essas fronteiras que existem entre Gil e Catherine vai mesmo se sobrepor ?

Alex Carvalho não nos dá um desfecho da maneira convencional. Ele mostra algumas marcas que ficam, curiosamente sobrepondo nessa exposição a figura de Catherine sobre a de Gil. Os atores Marina Frois (Catherine) e Maicon Rodrigues (Gil) fazem um trabalho essencial e sólido por conduzirem com bastante naturalidade seus personagens fazendo-nos imergir na história. Entenda que os atores interpretam pessoas super clichês, ou seja, convite a tiro no pé. Mas não é o que acontece no robusto trabalho dos atores. Uma francesa carrancuda de passagem pelo Brasil que conhece jovem carismático e iniciam relação a contragosto dos que os cercam. Mas assim como no cinema de Claire Denis, o de Alex nos dá informações valiosas nos detalhes dos personagens. No modo que Gil age para o bem ou para o mal, seja ajudando um idoso ou enganando outros. Ou os pequenos atos de rebeldia de Catherine, quase contidos.

Os outros personagens agem com tamanha eficiência que funcionam como essa fronteira intransponível entre os mundos diferentes. Os mundos que há dentro do próprio Brasil que separam ricos e pobres, pobres e pobres. Bruno Garcia, Allan Souza e Tardelhy Lima (ator camaleão) são puros talentos.

Salamandra é um filme que se apresenta muito simples e talvez este seja o perigo para quem espera muito. Diria que assim como no cinema de Denis, é um filme de contemplação visual que consegue ir mais fundo do que você possa perceber.

Avaliação: 3,9 de 5

Salamandra

Estreia 27 junho de 2024

1h 57min | Drama

Direção: Alex Carvalho

Roteiro: Alex Carvalho, Thomas Bidegain

Elenco: Maicon Rodrigues, Marina Fois, Ann Mouglailis, Allan Souza Lima, Thardelly Lima, Buda Lira, Suzy Lopes

Produção: Alex Carvalho, Julie Viez, Patrick André

Diretor de fotografia: Josée Deshaies

Co-Produção: Scoope Pictures

Distribuição: Pandora Filmes

Vitor Damasceno

Estudante de cinema atualmente vivendo em Buenos Aires.

One thought on “Salamandra | Crítica

  • TANIA

    Excelente, Vítor! Obrigada pela indicação. Anotado!.

    Resposta

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